Título: Turismo judiciário
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Essa expressão foi usada na Itália, quando, há 14 anos, passou-se a adotar o sistema de videoconferências para evitar os deslocamentos de presos para a participação em audiências na Justiça. Dizia-se, então, que esses deslocamentos não passavam de divertidos passeios de bandidos, fazendo-os experimentar as instalações de presídios diferentes e não raro travar contatos interessantes, a um alto custo, pago pelo Estado, em transportes e, sobretudo, no aparato de seus acompanhantes policiais.

Hoje em dia, com aquele sistema de comunicação eletrônica adotado na maior parte dos países civilizados do mundo, ao não ter ainda entrado em nossa prática forense, por falta de legislação que o imponha - apesar dos vários projetos que têm passado pelo Congresso, em favor de sua adoção -, difícil é saber se o pior para a administração pública (e para a sociedade) são os altos custos dos deslocamentos ou os grandes riscos que importam, principalmente em se tratando de delinqüentes cumprindo pena em presídios de segurança máxima, pela alta periculosidade que representam - caso do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

Aos R$ 50 mil gastos só em combustível para as viagens do traficante, que foi levado do presídio de Catanduvas, no Paraná, para o Rio de Janeiro, acrescentem-se as despesas com cerca de 50 agentes federais, 12 carros, 9 motos e um avião, para acompanhar o depoimento de 6 testemunhas num processo em que é acusado de crimes financeiros.

Registre-se que, dentro do espírito misericordioso do processo penal caboclo, onde o in dubio pro reo se transforma, na prática, em um em tudo pro réu (jamais para suas vítimas), os réus têm o direito de assistir aos depoimentos das testemunhas, para que assim possam ajudar seus advogados na contradita. E é claro que não há limites para os gastos do Estado nessa ajuda à defesa dos bandidos.

Segundo cálculos da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) o governo já gastou R$ 200 mil com as viagens de Beira-Mar, desde 2001. Ele já viajou - calcula o diretor da entidade, Edisson Tesseli - cerca de 20 mil km, a um custo de US$ 1,5 mil a hora de vôo, em 15 deslocamentos pelo País. ¿Não incluí nos gastos as despesas com diárias de agentes, que estão em torno de R$ 120¿ - acrescenta o diretor. No deslocamento do traficante que se iniciou segunda-feira de manhã, com a viagem Paraná-Espírito Santo-Rio de Janeiro-Paraná, a juíza do processo em que ele responde por lavagem de dinheiro, tentativa de evasão de divisas e associação para o tráfico (cujas penas vão de 8 a 26 anos de prisão) até que tentou economizar, na medida do possível, o dinheiro do contribuinte.

Disse ela: ¿Tive a idéia de marcar as audiências em dias consecutivos, para reduzir os gastos com o deslocamento.¿ Mas nem por isso o gasto do Estado foi de todo ¿aproveitado¿ pela defesa do réu, visto que o advogado de Beira-Mar alegou não ter conseguido localizar as testemunhas de defesa que seriam ouvidas, donde se prevê a possibilidade de o périplo do traficante e comitiva, de Catanduvas ao Rio, se repetir algumas vezes (sob pena de cercear-se o sagrado direito de defesa).

Linhas diretas de telefones entre os advogados dos réus ou entre estes e seus clientes preservam a inteira privacidade da comunicação, nas audiências judiciais por videoconferências, tal como funcionam na Itália e em vários outros países que adotam o sistema. Isso deveria quebrar a resistência de algumas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, que ainda se opõem ao que julgam impedir o ¿calor humano¿ do contato... (dos bandidos com seus defensores).

Não fora tal resistência, como se explica que até agora não tenha passado, no Congresso, a adoção de um sistema de incontáveis vantagens, em termos de custos financeiros e administrativos e, acima de tudo, de segurança para os policiais e para a sociedade, em geral, tendo em vista as freqüentes ¿operações de resgate¿ de bandidos de alta periculosidade, durante esses temerários deslocamentos?