Título: Ex-assessor de Cheney é condenado por mentir sobre o caso Plame
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2007, Internacional, p. A11

Lewis ¿Scooter¿ Libby, ex-chefe de gabinete do vice-presidente americano Dick Cheney, foi declarado ontem culpado por um tribunal federal de quatro das cinco denúncias que pesavam sobre ele, entre elas obstrução da Justiça, falso testemunho e duas acusações de perjúrio. Libby foi condenado por mentir a agentes federais que investigavam o vazamento à imprensa, em 2003, do nome de Valerie Plame - uma espiã da CIA e esposa do ex-embaixador Joseph Wilson.

A sentença definitiva sai em junho e o ex-assessor de Cheney - o mais alto funcionário da Casa Branca condenado desde o caso Irã-Contras, nos anos 80 - pode pegar até 25 anos de cadeia e pagar multa de cerca de US$ 1 milhão. Porém, por ser réu primário, deve passar no máximo três anos atrás das grades. Agora, só a apelação da decisão, que será feita por seus advogados, ou o perdão do presidente George W. Bush salvam Libby da prisão. Entretanto, nenhuma das possibilidades é seriamente considerada por juristas americanos.

A condenação deixa dúvidas sobre o papel do vice-presidente no episódio, embora Cheney não corra risco de sofrer processo criminal. Mas expõe mais um deslize da administração Bush em uma sucessão de erros que desconstroem a frágil argumentação que sustentou a campanha americana no Iraque.

CONEXÃO NÍGER

Em fevereiro de 2002, a pedido da Casa Branca, a unidade de Valerie na CIA enviou o ex-embaixador Wilson ao Níger para checar a informação de que o Iraque estaria comprando urânio do país africano para fabricar armas nucleares. Como não encontrou sinal da conexão Iraque-Níger, Wilson elaborou um relatório e o entregou a George Tenet, então diretor da CIA.

A pasta teria sido engavetada não fosse a inépcia dos assessores presidenciais, que incluíram a suspeita - sem o desmentido do relatório - no discurso de Bush sobre o Estado da União, em janeiro de 2003, no qual o presidente americano defendeu a necessidade de invadir o Iraque.

A invasão começou em março e, a partir daí, as acusações sobre a falsidade dos dados apresentados pelo governo para corroborar a guerra surgiram em um artigo do colunista Nicholas Kristof, no New York Times. Até então, eram atribuídas apenas a ¿um ex-embaixador¿. Na ocasião, a Casa Branca não sentiu urgência em rebater as afirmações porque Kristof costumava atacar regularmente o governo. Contudo, em julho de 2003, o próprio Wilson assinou um artigo no mesmo jornal confirmando a acusação e detonando a crise.

Pouco depois, o articulista conservador Robert Novak saiu em defesa de Bush e atacou Wilson, dizendo que o ex-embaixador só fora enviado à África por influência de sua mulher, a agente da CIA Valerie Plame - que pela primeira vez aparecia na história. A revelação foi encarada como uma manobra da Casa Branca para retaliar Wilson. Surpreendido, o Departamento de Justiça abriu inquérito para descobrir o responsável pelo vazamento do nome de Valerie, já que nos EUA revelar a identidade de agentes secretos é considerado crime de traição.

Dois repórteres detinham a informação sobre quem vazou o nome de Valerie: Judith Miller, também do New York Times, e Matthew Cooper, da revista Time. Ele e Judith foram intimados a depor, mas se negaram a revelar o responsável pelo vazamento. Ambos foram condenados a 18 meses de prisão. Pressionado, Matthew acabou revelando as fontes: Karl Rove, assessor de Bush, e Lewis Libby, chefe de gabinete de Cheney. Enquanto Matthew foi para casa, Judith permaneceu 85 dias detida. Sua libertação só ocorreu depois que ela concordou em revelar que sua fonte era também Lewis Libby, argumentando que havia sido liberada pelo próprio assessor de Cheney. As investigações livraram Rover. Libby, porém, acabou indiciado. Ele renunciou em outubro de 2005.

O julgamento durou cinco semanas. Enquanto a promotoria insistiu na tese de que Libby soube da identidade de Valerie através de Cheney e passou a informação a jornalistas, a estratégia da defesa foi a de não convocar nem Libby nem Cheney para depor. Segundo os advogados de Libby, as contradições em seus depoimentos foram resultado de ¿problemas de memória¿.