Título: Cabresto nas agências
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O Brasil precisa do capital privado para ampliar e modernizar estradas, portos, comunicações e o sistema de energia, mas o governo se nega a criar a segurança necessária para a atração de investidores. Um sistema regulatório claro, racional e imune às oscilações do jogo político seria parte dessas condições. O governo, porém, prefere os velhos padrões, marcados pelo voluntarismo e pela intervenção partidária em todos os setores da administração. Por isso, insiste em politizar as agências reguladoras, procurando sujeitá-las inteiramente ao controle do presidente e dos ministros da vez. O Decreto nº 6.062, publicado na terça-feira, é mais um passo nessa direção. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, já no comando de fato dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, ganha o poder de intervir oficialmente na regulação dos setores de infra-estrutura.

O decreto estabelece o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação - um nome enrolado para um novo mecanismo de interferência na atividade reguladora. Os objetivos oficiais são expostos numa linguagem rebarbativa: o programa deve servir para ¿a melhoria do sistema regulatório, da coordenação entre as instituições que participam do processo regulatório exercido no âmbito do governo federal, dos mecanismos de prestação de contas e de participação e monitoramento por parte da sociedade civil e da qualidade da regulação dos mercados¿.

O programa será comandado por um comitê gestor, coordenado pela ministra-chefe da Casa Civil e integrado também pelos ministros da Fazenda e do Planejamento. Um de seus objetivos será ¿fortalecer a capacidade de formulação e análise de políticas públicas em setores regulados¿. Isso deve incluir, presumivelmente, a formulação de planos para infra-estrutura e energia. Mas o texto menciona também a ¿melhoria da coordenação e do alinhamento estratégico entre políticas setoriais e processo regulatório¿. O decreto mistura duas atividades que seria preciso manter separadas: a formulação de objetivos, tarefa própria das instâncias políticas, e os trabalhos de regulação e supervisão, típicos das agências, entendidas como órgãos de Estado, não de governo. A expressão ¿fortalecimento da autonomia¿, nesse contexto, só pode ser retórica. O governo, disse ao Estado na quarta-feira o ministro do Planejamento, está preocupado com a proposta de emenda constitucional, aprovada em primeira votação no Senado, que define as condições de autonomia funcional das agências.

A politização das agências fica ainda mais clara com a inclusão, entre os objetivos do programa, do ¿desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos para o exercício do controle social e transparência no âmbito do processo regulatório¿. Em nenhuma passagem o leitor do decreto é informado a respeito do que possa significar, em termos práticos, o ¿controle social do processo regulatório¿, mencionado no artigo 2º. No artigo 1º, a expressão usada foi ¿monitoramento por parte da sociedade civil¿, mas também nessa passagem nenhuma explicação foi acrescentada. Como a ¿sociedade civil¿ poderá exercer esse acompanhamento é um mistério.

O assunto de que menos se trata nesse decreto é a efetiva autonomia operacional das agências, uma idéia que o governo combateu desde os primeiros dias da gestão petista, há pouco mais de quatro anos. Concebidas na última década para funcionar como órgãos técnicos, com diretores protegidos por mandatos e imunes a injunções do jogo político do dia-a-dia, as agências foram quase desmontadas durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Suas verbas foram congeladas e faltou-lhes dinheiro para trabalhar. No ano passado, várias agências ficaram, durante meses, sem diretores em número suficiente para deliberação. As escaramuças entre seus dirigentes e os ministros da área da infra-estrutura tornaram-se rotineiras e alimentaram o noticiário dos jornais.

Se o governo quisesse realmente fortalecer o sistema regulatório, inverteria o rumo de sua política e trataria, de forma definitiva, de uma regulamentação que proporcionasse às agências reguladoras condições para atuar com segurança e autonomia. O Decreto nº 6.062 aponta para algo muito diferente desse objetivo.