Título: O retrato do sistema prisional
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Os primeiros números do Sistema Integrado de População Carcerária ajudam a colocar em termos mais realistas o debate em torno da redução da maioridade penal e do aumento das penas que vem sendo travado há um mês, desde o bárbaro assassinato do menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, no Rio de Janeiro. De lá para cá, o Congresso aprovou mudanças que restringem os benefícios de autores de crimes hediondos, aumentando sua permanência na prisão, e vários projetos foram apresentados com o objetivo de elevar a duração das penas.

Mas que condições tem o sistema prisional de receber mais condenados pela Justiça e de reter os atuais presos por mais tempo? Se as prisões já estão lotadas, o que adianta aprovar penas mais longas, como pretendem esses projetos? Nesse sentido, as estatísticas do Sistema Integrado de População Carcerária, que foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e começou a funcionar na semana passada, não poderiam ser mais sombrias. Embora disponha de 242 mil vagas, o sistema prisional brasileiro atualmente acolhe 401 mil presos, estando muito acima de sua capacidade. Não é por acaso que as prisões, em vez de educar os presos, atuam como verdadeiras escolas do crime. Atualmente, 60% da população carcerária é formada por reincidentes.

A construção de novas prisões custa, em média, cerca de R$ 25 mil por vaga. Em termos de manutenção das vagas existentes, cada preso custa, em média, cerca de R$ 1 mil por mês aos cofres públicos. É muito dinheiro. E, por causa da superlotação do sistema prisional, a maioria dos presos vive em celas abarrotadas e em condições degradantes, contrariando a Lei de Execução Penal, que confere ao preso o direito de cumprir pena em cela individual de seis metros quadrados. A superlotação é um dos fatores responsáveis pelo surgimento de facções criminosas dentro das prisões, como o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro.

O mais grave é que esse problema só tende a se agravar. Para efeitos comparativos, em 1995 havia 148.760 presos para 68.597 vagas - um déficit de 80.163 vagas. Nos últimos 12 anos, o déficit quase dobrou, tendo chegado a 158.942, no final de 2006. E, mantido o ritmo atual de prisões e condenações, a população encarcerada poderá chegar a 500 mil presos em dezembro deste ano, segundo estimativas do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. Além disso, há cerca de 100 mil mandados de prisão já expedidos pela Justiça e não cumpridos. A superlotação do sistema prisional só não é maior por causa do baixíssimo índice de punição de crimes no Brasil, que é inferior a 10%, contra mais de 50% nos Estados Unidos.

A verdade é que, se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos. Nas atuais condições do sistema carcerário, como se vê, os juízes de execução penal não podem conhecer detalhadamente a situação de cada apenado nem acompanhar o cumprimento das penas, evitando que os presos fiquem encarcerados por tempo maior do que o da condenação. Como a Justiça pode dar a cada presidiário tratamento adequado e permitir que receba tratamento individualizado, se o sistema prisional é caótico e o Executivo não investe o necessário para modernizá-lo e expandi-lo?

Na realidade, enquanto o Congresso e o Judiciário estão fazendo a sua parte, o primeiro revendo a arcaica legislação penal e o segundo procurando melhorar a qualidade de seu sistema de informações sobre a população carcerária, o Executivo continua omisso. Como construir cadeia não dá voto e prestígio aos governantes, há muito tempo as verbas destinadas ao sistema prisional não apenas são insuficientes, como também têm sido sistematicamente contingenciadas para gerar superávit primário. Em 2006, 57% do orçamento do Fundo Penitenciário Nacional ficou retido.

A redução da maioridade penal e o aumento do rigor das penas são medidas necessárias para coibir a criminalidade e restabelecer a segurança pública. Mas, para que produzam resultados concretos, o Executivo terá de construir presídios.