Título: Dívida de R$ 62 bi leva o Senado a discutir saída para os precatórios
Autor: Gobetti, Sérgio e Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2007, Nacional, p. A4

Em meio a uma queda-de-braço entre a classe dos advogados e os governadores, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), tentará mobilizar os líderes do Senado, nesta semana, para retomar a discussão e a votação do projeto de emenda constitucional que limita os gastos de Estados e municípios com pagamento de precatórios - dívidas decorrentes de sentença judicial contra a administração pública.

No último levantamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), há um ano e meio, o estoque dessas dívidas com pessoas físicas e jurídicas - incluindo indenização por terras e verbas salariais - já ultrapassava os R$ 62 bilhões.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a proposta de teto anual para a quitação dos precatórios é inconstitucional por representar um confisco e uma ameaça à efetivação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pela instabilidade jurídica que cria. OAB e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) entregam amanhã ao Congresso um substitutivo ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 12, que trata do tema.

Um dos argumentos levantados pelas entidades é um estudo mostrando que a Prefeitura de São Paulo levaria 45 anos para pagar os atuais credores de precatórios com a regra da PEC. No Espírito Santo, seriam precisos 140 anos para honrar todas as atuais dívidas.

A PEC em tramitação no Congresso prevê que, caso opte pelo ¿regime especial¿ de pagamento de precatórios, o Estado terá de reservar 3% de sua despesa primária para essa finalidade e os municípios, 1,5%, mais do que o dobro do que gastam hoje. Em compensação, são autorizados a promover uma espécie de leilão público em que aceitam quitar o precatório de quem oferece o maior desconto sobre o valor devido.

O relator do projeto, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), admite que alguns Estados já pressionam para que esse índice seja reduzido para 2%. ¿Se estivéssemos falando de uma nova moratória de 15 anos, seria uma tremenda violência, um absurdo. Mas em 15 anos, todos receberiam. Agora, falar em 45 anos, 140 anos, é um calote, um confisco¿, ataca o presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP, Flávio Brando.

O assunto é tão espinhoso e, ao mesmo tempo, importante para os governadores que fez parte da pauta da última reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Granja do Torto, há 15 dias. Na ocasião, os governadores pediram e, aparentemente, receberam o apoio do Palácio do Planalto para aprovar novas regras sobre pagamento de precatórios, aliviando a pressão sobre os cofres estaduais e municipais.

Atualmente, na prática, muitos precatórios já são quitados com o chamado ¿deságio¿, que em alguns casos chega a 70% do valor original da sentença judicial, mas isso depois de um processo de negociação que envolve a participação dos escritórios de advocacia. Por isso, há um grande interesse e temor dos advogados de perder sua parte nesse lucrativo mercado de precatórios.

Apesar das críticas da classe à PEC, a sua concepção se deve justamente à equipe de um dos mais renomados juristas do País, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim. Durante sua presidência no STF, em 2004 e 2005, Jobim promoveu uma série de debates para construir um texto consensual que garantisse uma saída ao problema.

No início de 2006, Renan assumiu a paternidade oficial da proposta ao apresentá-la sob a forma de emenda constitucional. Mas a PEC permaneceu em banho-maria na Comissão de Constituição e Justiça até o final do ano passado, quando realizou-se a primeira audiência pública para discutir o tema.

¿A PEC dos precatórios é uma das minhas prioridades. Tenho conversado com o (José) Serra e pretendo colocá-la em votação ainda no primeiro semestre¿, disse Renan, revelando o interesse que o assunto desperta no governador paulista.

Nos bastidores, José Serra (PSDB) tenta costurar um amplo acordo para aprovar a emenda constitucional. Além de reservar 70% do valor de pagamento dos precatórios para os leilões e 30% para a lista dos menores precatórios, a PEC também prevê a possibilidade de compensação entre dívidas. Ou seja, se uma empresa deve tributos ao Estado e, ao mesmo tempo, é credora de um precatório, só terá direito de receber a diferença entre esse precatório e a dívida com a Fazenda estadual.

Na sua versão original, a proposta elaborada pelo STF também beneficiava os governadores ao excluir o valor pago de precatórios da receita que serve de base de cálculo das parcelas da dívida com a União e do piso de gastos com saúde e educação. Assim, a despesa adicional com precatórios seria compensada parcialmente com um menor gasto com essas vinculações. Mas o Ministério da Fazenda e as bancadas da saúde e educação são contra.