Título: Superávit de 3,5% a 3,8% do PIB
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2007, Economia, p. B2

O governo Lula recebeu, na semana passada, um presente do IBGE. Mesmo que involuntário. Não há dúvidas de que a nova metodologia do IBGE para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), que estava sendo discutida desde 2002, é mais consistente com a realidade econômica brasileira. Mas os resultados apresentados mudam completamente a perspectiva do governo para os próximos anos. Para se ter uma idéia do que isso significa, a meta fiscal fixada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para 2008 já foi obtida em 2006 e a de 2009 pode ser alcançada ainda este ano.

A razão disso é que a economia brasileira é 10,9% maior do que se pensava. Como todos os indicadores fiscais são fixados em proporção do PIB, eles ficaram melhores. Substancialmente melhores. O peso dos impostos, por exemplo, continua o mesmo, mas, em comparação ao novo tamanho do PIB, ele ficou mais suportável. Pela metodologia antiga, a carga tributária brasileira tinha chegado a 37,37% do PIB em 2005, segundo a Secretaria da Receita Federal (SRF). Pela nova metodologia, ela ficou em 33,71% do PIB naquele ano. Ou seja, ela é quase 4 pontos porcentuais do PIB menor do que se imaginava.

Os dados sobre 2006 ainda não são conhecidos, pois o IBGE só divulgará esta semana o novo valor do PIB do ano passado. Os números deverão contribuir para diminuir consideravelmente a pressão da sociedade sobre o governo a favor da redução da carga tributária. A luta agora será para evitar que o governo caia na tentação de elevar os impostos.

A dívida pública brasileira continua colossal, mas, em relação ao novo PIB, ela já se aproxima de patamares considerados como adequados pelas agências que medem o risco dos países. Ao final de 2005, pela metodologia velha, a dívida líquida do setor público correspondia a 51,6% do PIB. Pela nova, ela ficou em 46,5% do PIB. Em 2006, calcula-se que ela tenha ficado em torno de 46% do PIB - meta que foi fixada no PAC para ser alcançada em 2008! Este ano, ela pode cair para algo em torno de 44% do PIB - próxima da meta fixada no PAC para 2009.

Como todos sabem, a relação dívida/PIB é o melhor indicador da solvência de um país e é acompanhada de perto por todos os analistas. Quando a dívida de um país fica abaixo de 40% do PIB, ele costuma receber, das agências que medem o risco, o grau de investimento, ou seja, ele passa a ser considerado porto seguro para as aplicações estrangeiras, o que melhora consideravelmente a perspectiva de crescimento econômico.

Outro resultado da revisão feita pelo IBGE é que a meta de 4,25% do PIB para o superávit primário do setor público, que consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), passou a ser exagerada. Como o PIB está 10,9% maior, o governo feral, os Estados e os municípios teriam que fazer um corte adicional de mais de R$ 10 bilhões este ano para cumprir a meta de superávit de 4,25% do PIB. Isto é politicamente impraticável porque o corte atingiria, fundamentalmente, os investimentos públicos que constam do PAC.

O superávit de 4,25% do PIB para este ano correspondia, pela contabilidade antiga, a R$ 95,9 bilhões. Se o governo mantiver esse mesmo valor, ele corresponderá agora, pela nova metodologia do IBGE, a 3,82% do PIB de 2007. Embora o esforço seja rigorosamente o mesmo, em valores correntes, a diferença é expressiva em comparação ao PIB. O PIB estimado para este ano é de R$ 2,507 trilhões, que resultou de um crescimento real de 3,3% em 2006 e de 4,5% em 2007.

De acordo com a LDO, os gastos do Projeto Piloto de Investimento (PPI) podem ser descontados da meta de superávit de 4,25% do PIB, até o limite de 0,5% do PIB. Assim, o superávit para este ano era, na prática, de 3,75% do PIB. O montante dos investimentos do PPI é de R$ 11,3 bilhões. A meta de superávit primário é, portanto, de R$ 84,6 bilhões (R$ 95,9 bilhões menos R$ 11,3 bilhões). Este valor corresponde a 3,75% do PIB antigo e a 3,4% do PIB deste ano, pela nova metodologia.

Assim, se o governo reduzir a meta de superávit primário de 4,25% do PIB para 3,80% do PIB estará fazendo rigorosamente o mesmo esforço fiscal a que se propôs inicialmente. Ou seja, neste caso não haverá um afrouxamento adicional da meta fiscal. Fontes governamentais informaram a este colunista que o governo deverá aproveitar o projeto de lei que muda a LDO, com o objetivo de elevar os investimentos do PPI, para alterar também a meta de superávit primário. O projeto foi encaminhado ao Congresso juntamente com as outras medidas do PAC.

Esse assunto ainda não foi discutido em caráter terminativo na área econômica e nem submetido ao presidente Lula. Mas uma alternativa seria fixar a meta de superávit primário para este ano em 3,8% do PIB, com a possibilidade de reduzir a meta em até 0,4% do PIB por conta dos investimentos do PPI. Assim, na prática, o superávit poderia chegar a 3,4% do PIB.

A discussão dentro do governo, no entanto, é mais ampla. Na verdade, a área econômica terá que definir qual é a trajetória que deseja para a relação dívida/PIB até 2010. O cenário do PAC é o de reduzir a dívida líquida de 49,7% do PIB registrada ao final de 2006 para 39,7% do PIB ao final de 2010. Ou seja, diminuir 10 pontos porcentuais do PIB.

Acontece que, pela nova metodologia do IBGE, a dívida líquida já ficou em torno de 46% do PIB em 2006. Assim, chegar a 39,7% do PIB em 2010 implica numa queda de apenas 6 pontos porcentual, ou seja, será necessário um esforço fiscal menor do que aquele idealizado anteriormente. Nesta hipótese, alguns acreditam que a meta de superávit poderia ser fixada em 3,5% do PIB, podendo chegar a 3% do PIB, com a dedução do PPI.

O economista Fábio Giambiagi considera que o importante é o governo assegurar uma trajetória de queda para a relação dívida/PIB, algo como uma redução entre 1 a 2 pontos porcentuais por ano. Uma alternativa, segundo ele, seria fixar uma meta de superávit primário suavemente cadente, por exemplo, 3,80% do PIB este ano, 3,70% do PIB no ano que vem, fechando em 3,5% do PIB em 2010.

O economista Amir Khair projetou, a pedido deste colunista, a trajetória da dívida/PIB para os próximos anos, com a hipótese de que o superávit primário seja mantido em 3,5% do PIB. O resultado foi que a dívida cairia para 35% do PIB ao final de 2010, caso a economia cresça, em média, 4% ao ano até lá e a taxa nominal de juro média caia para 9,5% no último ano do governo Lula. Se o crescimento for de 5% ao ano e a Selic média chegar a 9%, a dívida cairá para 32,5% do PIB.