Título: Negociando pelos outros
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O chanceler Celso Amorim continua empenhado, sem grande resultado nos últimos tempos, em unir as economias em desenvolvimento para enfrentar Estados Unidos, União Européia e Japão nas negociações globais de comércio. Só a união daquelas economias, disse o ministro num discurso em Jacarta, na Indonésia, poderá garantir que a Rodada Doha seja de fato a Rodada do Desenvolvimento. Foi essa a meta proclamada por mais de 140 ministros na conferência da OMC realizada em dezembro de 2001 na capital do Catar.

As negociações, passados mais de cinco anos, continuam travadas não só pelas diferenças entre ricos e pobres, mas também pelas divergências no grande e diversificado grupo das economias ¿em desenvolvimento¿. Foi principalmente para cuidar dessas divergências que o ministro brasileiro foi à reunião do Grupo dos 33 (G-33).

Os países do G-33, liderado pela Indonésia, reivindicam maior acesso aos mercados do mundo rico para seus produtos agrícolas, mas não estão dispostos a abrir os próprios mercados. Pretendem manter elevadas barreiras protecionistas, sob o argumento de que precisam proteger milhões de pequenos produtores pobres.

O ministro Celso Amorim foi à Indonésia para tentar uma aproximação entre o G-20, por ele coordenado, e o G-33. Se essa união resultar numa posição menos protecionista, será mais fácil cobrar dos EUA e de outros parceiros desenvolvidos uma abertura maior para o comércio agrícola. Se os governos do mundo em desenvolvimento não forem mais flexíveis em relação ao comércio agrícola, dizem os negociadores americanos, não haverá como convencer os congressistas dos Estados Unidos a apoiar maiores concessões.

Mas a mera proposta de aproximação entre G-20 e G-33 é ilusória, neste momento. Alguns membros do G-20, como a Índia e a Indonésia, participam também do outro bloco. Nos dois grupos há países com políticas protecionistas para o campo. A única diferença é que no G-20, organizado em 2003 por iniciativa brasileira, há alguns produtores agrícolas altamente competitivos, como o próprio Brasil e a Argentina, que podem batalhar com muito mais eficiência por uma ampla liberalização do comércio agropecuário.

Mesmo entre estes, no entanto, há diferenças políticas. Enquanto a Argentina defende a competição mais aberta nessa área, o Brasil aceita, embora com reservas, a pretensão indiana de criação de uma lista de produtos especiais que ficariam sujeitos a maior proteção. Não se trata, no caso, apenas de uma relação de produtos ¿sensíveis¿ para os quais haveria salvaguardas especiais. Em princípio, qualquer país poderia negociar uma relação desse tipo. A pretensão de países como a Índia e a Indonésia vai além disso. A idéia é proporcionar uma defesa adicional para pequenos produtores, considerados incapazes de competir globalmente.

Objetivamente, essa proposta é incompatível com os interesses comerciais do Brasil, porque dispomos de condições de competir com sucesso no comércio de grande variedade de produtos. Ao admitir a pretensão indiana, os negociadores brasileiros cederam às pressões do Ministério do Desenvolvimento Agrário, indisfarçavelmente empenhado numa política de apoio à ineficiência e ao atraso.

A influência dessa política sobre a diplomacia comercial brasileira é uma negação do sucesso alcançado pelos produtores que se modernizaram, ganharam poder de competição e têm todo o direito de lutar por um comércio mais livre.

A diplomacia brasileira desperdiça esforços por falta de uma clara definição dos interesses nacionais. O G-20 foi importante para os primeiros avanços da negociação agrícola na Rodada Doha, mas hoje é um entrave. A liberalização agrícola está longe de ser uma unanimidade nesse grupo e no conjunto dos países em desenvolvimento. Não é unanimidade sequer no interior do governo brasileiro, que defende ao mesmo tempo a modernidade e o atraso. Índia, China e Indonésia sabem o que desejam e põem seus interesses em primeiro lugar. Valeria a pena Brasília tentar algo semelhante. O primeiro passo seria descobrir quais são de fato os interesses nacionais.