Título: EUA: nem Doha nem OMC
Autor: Tamer, Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2007, Economia, p. B9

Os Estados Unidos não estão interessados na Organização Mundial do Comércio (OMC) e muito menos na Rodada Doha. Vão continuar conversando sobre a abertura no comércio agrícola, seguirão ativos na OMC, mas ao mesmo tempo farão uma política agressiva de acordos bilaterais, que se multiplicam e se opõem.

Aos princípios básicos que deram origem à OMC, está o multilateralismo entre os países membros, que hoje são os que pesam na economia mundial. Até a China entrou, resmungando é verdade, fazendo exigências agora absurdas nas negociações de Doha. O último recém-chegado, acreditem, foi o Vietnã, que hoje já capta a metade dos investimentos externos obtidos pelo Brasil. Entre os que pesam mesmo, falta apenas a Rússia, que luta há anos para aderir à organização.

A DECISÃO JÁ ESTAVA TOMADA

Alguns dias antes de sua viagem ao Brasil, no início do mês, George W. Bush enfrentou uma espécie de rebelião na sua equipe econômica. A maioria, inclusive o chefe da assessoria econômica, defendia uma abertura maior, pois como afirmam Alan Greenspan e agora Ben Bernanke, o protecionismo entrava o desenvolvimento da economia mundial - e dos EUA também. Foi uma reunião acalorada, um bate-boca entre Susan Schwab, sozinha, e todos os outros. A representante comercial americana era contra qualquer atitude mais ousada, dizia que os EUA não deveriam tomar iniciativa nenhuma e ir tentando conquistar a confiança dos outros - uma confiança que não existe nem mesmo entre os negociadores.

Bush ouviu os argumentos e decidiu-se pela sua ministra. Ninguém abre nada até segunda ordem. Vamos continuar com os acordos bilaterais e não cederemos mais do que cedemos. Resultado, Bush trouxe Susan Schwab no seu avião e deixou os outros por lá.

A decisão tinha também razões políticas. O Congresso não aprovaria abertura alguma, pois além de estar dominado pelos democratas e sob forte pressão dos lobbies agrícolas, pode caçar, no meio do ano, o direito do presidente para negociar acordos. E, não esquecer, Bush está enfraquecido com a guerra do Iraque. Há ainda a eleição presidencial em 2009. Foi por isso que ele acertou com Susan Schwab que seria delicado, falaria manso, mas ela poderia bater à vontade. E como essa senhora sabe bater!

ELES SABIAM

Na sua viagem ao Brasil, Bush e Lula, convencidos que de nada adiantava tentar avançar nas conversações, brincaram até com um assunto muito sério, mas insolúvel. Visitaram o túmulo de Doha, depositaram uma respeitosa coroa de flores - ¿somos todos a favor do livre comércio¿ -, mas saíram de braços dados e sorrindo. ¿Vamos trancar os nossos ministros numa sala para que só saiam de lá com uma solução.¿ Pilherias ente sorrisos amigáveis.

Enquanto isso o cadáver de Doha mexia-se, irrequieto, pois já mandou dizer que está enterrado, não gosta de visitas e irrita-se quando aparecem novas reuniões mundo afora, tentando ressuscitá-la.

SCHWAB CONTA A VERDADE

Para completar a farsa e, mais ainda, dizer a verdade, a poderosa representante comercial americana trancou-se mesmo numa sala com o chanceler Celso Amorim e saiu dizendo que as negociações só prosseguiriam e teriam êxito quando ¿todos colocarem suas cartas na mesa¿. Só não esclareceu se entre os todos, estavam também os EUA...

ABRAM QUE NOS ABRIMOS

Mas a pedra de cal que ela colocou no túmulo de Doha, foi dizer aos industriais que eles precisam primeiro reduzir drasticamente sua tarifas e proteção, abrir-se à competição externa e liberar para investimentos estrangeiros os setores de serviços e propriedade intelectual, entre outros. Sem isso, nada feito. Resumindo, afirmou que os EUA cederão se o Brasil ceder também. Não sei porque os nossos representantes disseram que saiam desiludidos, pois, no fundo, um impasse nas negociações de Doha, não os afeta, mas sim ao setor agrícola.

O mesmo aconteceu no encontro com o setor agrícola. Os Estados Unidos concordariam em reduzir subsídios e outros tipos de proteção desde que eles baixem suas tarifas, pois se produtores americanos aceitam maior competição interna, querem que os seus possíveis parceiros também lhe proporcionem condições para exportar. Ou isso, ou nada. E deu em nada. Com os industriais e com os agricultores. E com o governo.

E A NOVELA CONTINUA

Enquanto isso, os ministros ou seus representantes, continuarão se reunindo - agora o nosso vai a Jacarta -, prosseguindo as negociações que começam em 2001!

Eu nunca entendi por que todas não ocorrem na sede da OMC, em Genebra, e não nos pontos mas exóticos do mundo. E isso mesmo sabendo que não irão decidir nada, principalmente, quando a dominadora e intransigente França enfrenta uma apertada transição presidencial.