Título: Privilégio é tão forte quanto perigoso
Autor: Liptak, Adam
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2007, Internacional, p. A16
Enquanto fazia suas negociações públicas e privadas com o Congresso, a Casa Branca sabia que tinha nas mãos uma arma tão poderosa quanto perigosa - a invocação de 'privilégio executivo', que é o equivalente constitucional de uma declaração de guerra. O privilégio executivo protege deliberações confidenciais do Poder Executivo em algumas circunstâncias, mesmo diante de uma intimação dos tribunais ou do Congresso. O objetivo é garantir que o presidente receba conselhos francos de assessores, sem recear que eles sejam arrastados para o Congresso ou um Grande Júri para se explicar.
Especialistas jurídicos disseram que o presidente Bill Clinton invocou a doutrina do privilégio executivo com mais freqüência e vigor do que George W. Bush, até mesmo na investigação de sua relação com Monica Lewinsky.
'Clinton foi nitidamente mais agressivo no uso do privilégio executivo do que qualquer outro presidente desde Eisenhower', disse Mark J. Rozell, um professor de Direito na Universidade George Mason e autor de Executive Privilege: Presidential Power, Secrecy, and Accountability (Privilégio executivo: poder presidencial, sigilo e prestação de contas). 'Bush tem-se mostrado um pouco relutante em usá-lo.' Mas apesar de o conceito legal estar em uso há mais de 200 anos, seu escopo continua, em grande parte, indefinido.
Uma razão para isso é que os choques entre o Poder Executivo e o Congresso sobre o privilégio - embora relativamente freqüentes -, raramente resultam num impasse ou chegam aos tribunais. Eles são adequadamente resolvidos pela acomodação política.
'O que geralmente rompe o impasse', escreveu em 2004 Louis Fisher, um especialista em direito constitucional da Biblioteca do Congresso, em The Politics of Executive Privilege (A política do privilégio executivo), 'é uma decisão política: a determinação de legisladores de usar as ferramentas de coerção ao seu alcance e cálculos políticos do Poder Executivo sobre se uma paralisia contínua expõe o presidente a riscos de prejuízos pesados e intoleráveis'. Entre as ferramentas e ameaças à disposição do Congresso, escreveu Fisher, estão a publicidade negativa, o poder de controlar o dinheiro e a possibilidade de segurar a confirmação do Senado para algumas autoridades executivas.
O conselheiro jurídico da Casa Branca, Fred F. Fielding, é um veterano em batalhas sobre privilégio executivo. Ele tem uma reputação de equilíbrio e flexibilidade, jogando suas cartas conforme a força de sua mão.
Como conselheiro da Casa Branca na administração Reagan em 1981, ele ajudou a desmontar um confronto com uma subcomissão de orçamento da Câmara que queria ouvir um assessor chamado Martin Anderson, segundo o livro de Fisher. Depois que Anderson se recusou a comparecer, a subcomissão rejeitou uma proposta de dotação do governo.
Fielding costurou um acordo semelhante ao que foi apresentado na terça-feira. Anderson reuniu-se 'informalmente' com os membros da subcomissão, segundo Fisher. A maior parte do dinheiro foi liberada.
Desta vez, a mão de Fielding não está especialmente forte. Ele tem diante de si um Congresso hostil e um presidente enfraquecido por uma guerra impopular. Mesmo aliados republicanos têm culpado a administração por deslizes do FBI (a polícia federal americana), na vigilância doméstica, e do Pentágono, na assistência médica a soldados feridos.
Em geral, disse Fisher numa entrevista, a possibilidade de assessores deporem aumenta com a necessidade de responder acusações de abuso e má-fé.
A única consideração da Suprema Corte sobre o privilégio, na decisão de 1974 que ordenou que o presidente Richard Nixon entregasse as fitas de Watergate aos investigadores, é uma ajuda ainda que apenas limitada para se compreender as invocações de privilégio executivo.
O caso de Nixon surgiu no contexto de um julgamento criminal, e o tribunal esclareceu que 'não estava preocupado aqui o equilíbrio entre o interesse do presidente no sigilo e as exigências do Congresso de informação'. O episódio deixou claro que o privilégio executivo não é absoluto e deve ceder em face de pelo menos alguns outros interesses importantes.
O tribunal, numa decisão unânime apresentada pelo seu presidente, Warren E. Burger, disse também que o privilégio executivo era mais forte onde houvesse uma necessidade de 'proteger segredos militares, diplomáticos e nacionais.' O interesse invocado na corrente disputa - a necessidade de proteger decisões pessoais confidenciais - é menos forte.