Título: A troika americana e o reforço militar no Iraque
Autor: Friedman, Thomas L.
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2007, Internacional, p. A16

A política do presidente Bush de reforçar o contingente no Iraque já tem um mês e o que podemos afirmar com certeza é que, não importa o que diga o Congresso, o Exército ou a sociedade, essa política está sendo levada adiante. O presidente tem autoridade e poder de veto para evitar que alguém possa impedi-lo. Assim, a única posição a ser adotada é esperar que essa política funcione.

Isso significa que os democratas no Congresso que tentam acabar com a guerra, insistindo para que se estabeleça um prazo para a retirada, deveriam seguir o conselho de seus críticos e se calar, deixando que o reforço de tropas se conclua? Não, pelo contrário. Eu diria que, pela primeira vez, acidentalmente, temos um trio político equilibrado que, se já vigorasse nos últimos quatro anos, teria nos poupado da confusão presente. É a troika Pelosi-Petraeus-Bush.

Espero que os democratas, conduzidos pela presidente da Câmara Nancy Pelosi, continuem insistindo no sentido de uma data-limite para a saída do Iraque, pois estarão prestando dois serviços patrióticos que os republicanos não nos prestaram nos últimos quatro anos. O primeiro é a disciplina política. Tivessem os republicanos questionado regularmente as declarações triviais de Donald Rumsfeld e exigido que a Casa Branca se responsabilizasse pelos fracassos no Iraque, esse reforço de tropas poderia ter ocorrido em 2003 - quando estava claro que não tínhamos soldados suficientes mobilizados - e não em 2007, quando as chances de sucesso diminuíram bastante.

Como, nos últimos quatro anos, os republicanos controlaram a Câmara e o Senado e muitos conservadores permaneceram completamente mudos, o governo conseguiu facilmente ignorar seus críticos e continuar com políticas que já não funcionavam no Iraque. Com os democratas assumindo novamente o controle do Congresso, isso não será mais possível.

Outro serviço prestado pela presidente da Câmara e seus colegas é dar ao presidente e ao general David Petraeus, o comandante americano no Iraque, um forte impulso para que se estabeleça um prazo sem que, formalmente, haja um prazo. Como assim? O reforço militar não surtirá efeito sem uma reconciliação política entre as diversas facções iraquianas. Isso significa negociações entre sunitas e xiitas, que só chegarão a bom termo se os americanos tiverem poder de influência para dizer às partes que, se não chegarem a acordo, deixarão o país.

Como Bush se recusa a estabelecer um prazo, a próxima opção é Nancy Pelosi. E também não podemos desconsiderar o fato de que seria muito útil se Petraeus pudesse chegar aos políticos iraquianos e dizer: 'Ouçam, é uma loucura da Pelosi, mas ela tem muito apoio! Eu não quero sair, mas os americanos não pretendem ficar aqui para sempre. Tenho apenas alguns meses.'

Pelosi, mantenha a pressão. Quanto a Petraeus, não tenho nenhuma idéia se sua estratégia militar é a correta, mas pelo menos ele tem uma - e declarou que em meados do ano saberemos se ela está surtindo efeito. 'Se eu achar que nada vai acontecer, tenho obrigação de dizer aos jovens e às jovens em uniforme que estão aqui que nada vai acontecer e portanto é preciso uma mudança', disse ele na semana passada à BBC. Precisamos torcer para ele ter êxito, não só para o bem das tropas no Iraque, mas também para Bush não prolongar essa guerra até o fim de seu mandato, deixando para seu sucessor o encargo de encerrá-la.

Mas como Petraeus ou o Congresso julgarão se esse reforço militar está dando certo? Isso pode ou não ser óbvio. Se a violência for sufocada com o aumento das tropas, será preciso examinar mais a fundo a aparente calma nos bairros iraquianos e tentar imaginar o que acontecerá quando esses soldados deixarem a região. Lembremos que um número de soldados suficiente pode levar a tranqüilidade aos bairros por um tempo. O verdadeiro teste é saber se um Exército iraquiano que atue por conta própria e a obtenção de um consenso político conseguirão manter o controle quando as tropas americanas saírem do país.

Também seria necessário perguntar: os bairros xiitas estão calmos como resultado de uma reconciliação? Ou será que as forças xiitas estão apenas dando um tempo para que os EUA se concentrem em combater os sunitas - levando a cabo a guerra civil no lugar dos xiitas -, para que, quando os americanos partirem, esses xiitas consigam dominar mais facilmente a situação? Quando você está sentado num vulcão não é fácil dizer exatamente o que se passa sob a superfície, ou o que acontecerá se você se mexer. Essas são avaliações que os EUA precisarão fazer em breve. Nesse ínterim, como Bush continua sendo Bush, deixemos que Pelosi seja Pelosi e Petraeus seja Petraeus e torçamos pelo melhor. No momento, não temos muita escolha.