Título: Um presidente condenado a apoiar o inimigo
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2007, Internacional, p. A18

Jacques Chirac, presidente da França, terminou passando o bastão para o atual ministro do Interior que disputa sua sucessão. Há semanas que esse gesto de Chirac era esperado, mas ele hesitava.

Não era muito difícil, contudo, dizer: 'Eu não disputo um novo mandato, mas meu atual ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, assegurará minha substituição.' Sim. Era mesmo muito fácil. Mas Chirac não se resignava a isso. As palavras lhe queimavam os lábios. Falar bem de Sarkozy estava acima das forças de sua língua. Mas à medida que a eleição se aproximava, o mutismo do chefe de Estado se tornava mais penoso. E, na manhã de ontem, Chirac deu o passo e apoiou Sarkozy.

É preciso felicitar Chirac. Ele detesta Sarkozy, o qual lhe corresponde e não pode ver Chirac nem pintado. Sim. Mas eles têm a mesma ideologia de direita, têm os mesmos inimigos (a esquerda socialista, a extrema esquerda e a direita fascista de Le Pen). E, sobretudo, Chirac não tinha outra solução para a sucessão: ele não iria absolutamente convidar os cidadãos a votarem pelo candidato comunista, ou trotskista, ou neonazista, ou socialista. Estava condenado a apoiar Sarkozy. Condenado é a palavra certa.

Como que para distrair a atenção, Chirac aproveitou para publicar, ontem mesmo, dois volumes reunindo seus discursos como presidente. Esses discursos não passarão para a posteridade - os de Júlio César, Cícero, Napoleão e Winston Churchill são mais bem escritos. Mas ainda assim são interessantes na medida em que se contrapõem sem cessar às convicções de Sarkozy, seu inimigo íntimo.

Chirac deixa a arena, o circo, após 40 anos de convivência com os franceses. Um outro herói entra no picadeiro, Sarkozy. É de espantar que esses dois homens, implicados no mesmo combate democrático e partilhando a mesma ideologia de direita, não tenham jamais parado de se detestar e tentar jogar o outro no fosso.

O esquema é bastante banal. É mais fácil detestar alguém próximo que alguém distante. François Mitterrand fez de tudo para jogar no inferno o único socialista de envergadura igual à sua, Michel Rocard. De Gaulle vivia às turras com o herdeiro que escolhera, Georges Pompidou. Em suma, a psicologia dos políticos é tão pobre e medíocre quando a psicologia das demais pessoas: muita gente prefere o progresso de um estranho do que o de um amigo de infância.

Voltemos ao político: esse apoio, ainda que tardio, e mesmo acompanhado por um rito, um riso amarelo e uma careta, será útil para Sarkozy chegar à presidência? Apoiado ou não por Chirac, Sarkozy já alcançara a ponta da corrida presidencial, muito à frente da socialista Ségolène Royal e do centrista François Bayrou. A saudação de Chirac a Sarkozy deverá, quando muito, consolidar a dianteira.