Título: China, onde é melhor crescer menos
Autor: Jorge, Miguel
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2007, Espaço Aberto, p. A2

Ao escolher a meta da desaceleração do crescimento, ampliação dos gastos sociais e fortalecimento das empresas, etc, a China apontou aos países emergentes do G-20 um caminho de risco que não a desobriga de ser tão ou mais competitiva do que tem sido nos últimos anos. Os países que buscam mais crescimento devem observá-la melhor em 2007, analisando o processo que a levou - logo ela! - a reconhecer que país algum pode atingir altas taxas de expansão econômica sem grandes investimentos em educação, saúde e previdência, dos quais depende um crescimento qualitativo.

As despesas governamentais da China no social este ano alcançarão astronômicos 2,7 trilhões de yuans, ou US$ 335 bilhões, um aumento de 14,4% em relação a 2006, e a desaceleração será necessária para reduzir o consumo de energia, diminuir a poluição e evitar a disputa por investimentos entre províncias. Pequim deve ter concluído que, mesmo tendo a economia que mais cresce no planeta - 10,7% em 2006 -, terá de superar atrasos nunca vencidos com as suas exportações, calcadas em mão-de-obra barata e alta produtividade e que causam indignação aos ¿parceiros¿ e espanto aos estudiosos.

Com o anúncio da meta de (apenas!) 8% para o crescimento do produto interno bruto (PIB) em 2007, na abertura da Assembléia Nacional Popular, o primeiro-ministro Wen Jiabao não fez por menos: deixou claro que há fatores pró e contra. Logo após, uma violenta onda de incertezas no mercado financeiro derrubou bolsas de valores pelo mundo, colocando os investidores em estado de alerta. Essas incertezas somente se atenuaram com a desaceleração da inflação americana, o aumento modesto do emprego e a avaliação de que a redução do crescimento da China seria temporária - a taxa de investimento chinês é de espantosos 40% a 50%.

O Prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor da Universidade de Stanford, Mike Spencer, julgou a reação dos mercados ¿exagerada¿, atribuiu-a à influência da China sobre seus parceiros comerciais e indicou que percepção da freada da economia americana e seus efeitos globais, sim, acendem um sinal de atenção.

O anúncio da desaceleração chinesa, porém, instiga uma reflexão entre os economistas, empresários e estudiosos que debatem uma saída para as economias emergentes num cenário de acirrada competição internacional, analisam o papel do Estado na economia e discutem as vantagens comparativas entre países avançados e emergentes. Jiabao teria concluído que nem as exportações (de quinquilharias a automóveis) garantem melhor padrão de vida para os chineses ou terá avaliado que a vantagem da política comercial da China não durará para sempre sem mais investimentos sociais?

¿Nossa mais importante tarefa é promover um robusto e rápido crescimento econômico, mas precisamos melhorar a qualidade desse crescimento¿, declarou Jiabao - palavras que poderiam ter sido proferidas pelo presidente Lula no lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com a diferença de que a China tem amplas chances de crescer menos mantendo o seu atual desempenho econômico, mesmo sendo, paradoxalmente, um pouco menos produtiva internamente, pois crescimento econômico e igualdade social nem sempre andam juntos.

Por isso, Jiabao anunciou medidas para melhorar a vida no campo, onde vivem 800 milhões de famílias, além de investimentos de US$ 11 bilhões em bolsas de estudos para camponeses e ampliação do Bolsa-Família chinês e do atual sistema de cooperativas médicas. Como desempenho econômico e investimentos sociais estão estreitamente vinculados, e os chineses têm grande vocação empreendedora, é importante observar que efeitos a marcha da desaceleração do crescimento da China - e, principalmente, uma possível desaceleração americana - trariam à economia mundial e à brasileira.

Segundo os economistas Ilan Goldfajn e Carlos Langoni, ex-diretores do Banco Central, e Fabio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil (com reservas internacionais de US$ 100 bilhões) tem reduzido sua vulnerabilidade a crises. Mas é preciso manter os olhos abertos. A China pode-se dar ao luxo de desacelerar seu crescimento para fazer reformas modernizadoras ¿em defesa da igualdade e da justiça social¿ (expressão de Jiabao), o que está longe de ocorrer aqui.

No Brasil esquizofrênico, alguns políticos, empresários e economistas jogam lenha na fogueira das especulações, recomendando prudência, como se elas tivessem origem em Brasília. Aumentam-se as pressões contra a política monetária e se questiona a atuação do Banco Central, numa ação que nos deixa mais confusos para ajustar nossas prioridades diante das crises externas.

¿Deixe de lado, por um momento, os mercados financeiros e pense na atividade econômica¿, pondera Mike Spencer, acrescentando haver ¿uma grande dependência na economia global¿, que ¿a China não é uma economia assim tão grande¿ e que ¿os mercados financeiros `entendem¿ a interdependência `e reagem a isso¿¿. O que significa dizer que, por ora, mais relevante do que o que vem acontecendo no mercado acionário global é acompanhar a desaceleração do crescimento da China - sua situação macroeconômica é estável -, a expansão da economia americana e seus efeitos sobre a estabilidade do comércio global.