Título: Inflação menor, salário maior
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O balanço anual das negociações salariais relativo a 2006, realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), registrou o melhor resultado para os trabalhadores desde 1996, ano em que a pesquisa começou a ser feita. De um total de 656 negociações de reajustes salariais do ano passado analisadas pelo Dieese, 85,7% garantiram aumento real, isto é, com correção superior à inflação. Outros 10,7% das negociações asseguraram, no mínimo, a manutenção do poder de compra dos salários. Apenas 3,6% dos acordos analisados estipularam reajustes salariais inferiores à inflação.

É grande a diferença entre esses números e os observados em 2003, primeiro ano do primeiro governo de Lula. Naquela ocasião, apenas 18,8% dos acordos produziram correções salariais superiores à inflação. Mais da metade dos acordos firmados naquele ano, ou 58,4% do total, teve índices de correção salarial inferiores à inflação, ou seja, resultaram em perdas salariais reais. Aquele foi um ano em que as incertezas geradas durante o período eleitoral, com a perspectiva de vitória do então candidato do PT, produziram efeitos mais negativos sobre a inflação.

Desde 1997, quando se esgotou o impacto inicial positivo do Plano Real sobre a renda dos brasileiros e sobre os preços, a inflação vinha crescendo lentamente. Medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do IBGE - que o Dieese utiliza em seus cálculos sobre ganhos reais de salários -, a inflação passou de 3,79% em 1997 para 7,49% em 2001 e 10,2% em 2002, alta que já refletia o clima de intranqüilidade da economia no ano eleitoral. Mas, do ponto de vista inflacionário, o impacto mais forte da turbulência gerada pela ascensão de Lula nas pesquisas eleitorais e, afinal, por sua vitória nas urnas só ocorreu em 2003, quando o INPC aumentou 16,96%.

O caso de 2003 é um exemplo de como as oscilações da inflação afetam as negociações salariais e, em conseqüência, as condições de vida dos trabalhadores. Um exame do quadro-resumo das negociações salariais analisadas pelo Dieese desde 1996 mostra outras correlações importantes entre inflação e negociações salariais. De 2003 a 2006, por exemplo, a contínua queda da inflação é acompanhada pela redução igualmente contínua da porcentagem dos reajustes que ficaram abaixo do INPC. Ou, dito de outro modo, à contínua desaceleração dos preços corresponde o aumento do número de acordos que prevêem reajustes acima da inflação.

Mesmo tendo sido insatisfatório - o PIB cresceu apenas 2,9%, segundo dados ainda não revisados pelo IBGE -, o desempenho da economia no ano passado também ajudou os sindicatos de trabalhadores nas negociações com os empregadores, contribuindo para o alto índice de reajustes acima da inflação. Outro fator que os economistas do Dieese juntam aos que estimularam os sindicatos é o aumento real do salário mínimo. Quanto mais sobe o mínimo, mais altas são as reivindicações dos sindicatos, especialmente para os pisos salariais de suas categorias.

Os acordos salariais que não repuseram a inflação no ano passado, além de muito poucos (menos de 4% do total), contêm um dado que gera otimismo entre os economistas do Dieese com relação às negociações de 2007. Nenhum índice de correção salarial foi mais de 1% menor do que a inflação. ¿Isso já indica que a tendência é que todas as negociações pelo menos zerem a inflação¿, acredita o supervisor do escritório do Dieese em São Paulo, José Silvestre Prado de Oliveira, um dos responsáveis pelo estudo sobre reajustes salariais em 2006.

Para o Dieese, mesmo que, em média, os acordos salariais de 2007 sejam melhores para os trabalhadores do que os de 2006, eles não chegam a compensar as perdas salariais ocorridas entre meados da década de 1990 e o início desta. De 1996 a 2003, cerca de 43% das negociações resultaram em reajustes inferiores ao INPC.

Mas, se for mantida a tendência da inflação - e não há sinais de que ela vá mudar no curto prazo - e se a economia passar a crescer em ritmo mais intenso do que o observado nos últimos anos, o que dependerá em boa medida da atuação do governo, será apenas uma questão de tempo para que ganhos reais de renda se intensifiquem.