Título: O que cresce é o governo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Há motivos para festejar o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro constatado pelo IBGE, que adotou nova metodologia para aferir as contas nacionais? Economistas que examinaram com atenção os novos números relativos ao desempenho da economia brasileira de 2002 em diante, como o professor da USP e ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore e o ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, demonstram que não.

Eles não criticam a nova metodologia adotada pelo IBGE, que vem fazendo de maneira tecnicamente correta, como recomenda a ONU, a revisão periódica do sistema de contas nacionais, para adaptá-lo às mudanças que inevitavelmente ocorrem na economia. Mas os números divulgados na quarta-feira pelo IBGE mostram que a economia brasileira é maior do que se supunha por um motivo que não merece nenhuma comemoração. O que cresceu na aferição do PIB de acordo com a nova metodologia foi a participação dos gastos do governo.

O que ficou claro, segundo observou Pastore, durante debate realizado no Instituto Fernand Braudel, é que a diferença entre o PIB anterior e o revisado de acordo com a nova metodologia do IBGE está no consumo do governo. ¿É curioso, mas ficamos mais ricos porque descobrimos que o governo gasta mais¿, disse o economista, com ironia.

Revisões já feitas pelo IBGE na forma de aferição da produção industrial indicavam que, nesse setor, não haveria grandes diferenças com a adoção das novas regras para o cálculo do PIB. Diferenças poderiam surgir, como de fato surgiram, nas contas públicas.

A evolução dos gastos do governo nos últimos anos já apontava para o aumento do peso do setor público nas contas nacionais. As despesas governamentais crescem em ritmo mais intenso do que a produção de bens e serviços. Os gastos correntes da União - aqueles destinados ao custeio da máquina, ao pagamento do funcionalismo, aos benefícios previdenciários e outras despesas consideradas obrigatórias, como as de saúde, educação e seguro-desemprego - aumentaram 76,5% em valores reais, entre 1995 e 2006. Já o crescimento do PIB no período (antes da revisão feita pelo IBGE) não chegou a 30%.

O peso das despesas correntes na produção nacional, obviamente, cresceu, tendo passado de 14,9% em 1995 para 18,2% do PIB no ano passado (sempre de acordo com a metodologia antiga de aferição das contas nacionais).

Instituiu-se no Brasil um regime fiscal que produz um incontrolável crescimento contínuo das despesas correntes do setor público, em todos os níveis. Mudanças de governos, novas propostas ou visões dos governantes para políticas públicas são incapazes de alterar esse quadro, se não se proceder a uma profunda e rigorosa reforma fiscal. As despesas correntes cresceram nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, aumentaram no primeiro mandato de Lula e continuam a crescer. A contrapartida, para evitar o aumento do déficit público, cujos danos o País conheceu em outra época, é o aumento contínuo dos impostos.

O resultado, como apontou Affonso Pastore, é que o setor real da economia tem menos recursos para investir. ¿Descobrimos que estamos poupando menos e investimos menos¿, disse. ¿E ainda assim estamos festejando porque ficamos mais ricos.¿

É mesmo um país estranho, diz o economista. Festeja o que não merece ser festejado e aceita com resignação que o governo cresça à sua custa, reduzindo-lhe a capacidade de crescer e de melhorar de vida. Pode até acabar recebendo algum reconhecimento internacional, por meio da obtenção do chamado investment grade que o habilitará a receber mais investimentos e a obter recursos no exterior com maior facilidade, mas, se o governo continuar a pesar desse modo sobre o setor produtivo, o crescimento continuará pífio. ¿Não sairá dos 4% (ao ano)¿, previu Ilan Goldfajn.

Segundo ele, viraríamos um novo México, que tem merecido o reconhecimento dos investidores estrangeiros, parece integrado à economia americana, mas cresce pouco, porque não conseguiu fazer as reformas necessárias, sobretudo para reduzir o peso do governo e ajustar o mercado de trabalho. Será decepcionante se isso ocorrer - mas não será surpreendente.