Título: A cobrança pelo uso da água
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Muitos ambientalistas e especialistas em recursos hídricos mostram-se decepcionados com os resultados alcançados dez anos depois da aprovação da Lei das Águas, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Nesse período foram formados 140 comitês de bacias hidrográficas e 27 conselhos estaduais e do Distrito Federal, mas apenas 2 desses comitês, instalados nas Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul e do Rio Piracicaba, conseguiram instituir a cobrança pelo uso da água com relativo sucesso.

Como observou o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), José Machado, em entrevista ao Estado, a legislação se integrou mais facilmente às realidades nas quais a situação dos recursos hídricos era mais preocupante e onde já havia maior capacidade técnica disponível, gerada por institutos de pesquisa e universidades.

As Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) instituíram a cobrança pelo uso da água no ano passado apenas nos rios de domínio federal. Neste ano, a cobrança se estenderá também aos rios estaduais. Esse foi o último passo de um processo de descentralização de gestão dos recursos hídricos detalhadamente planejado e bem instalado.

Há 18 anos, o Consórcio PCJ, formado pelas prefeituras de 40 municípios paulistas e mineiros, empresas privadas e representantes das universidades, discutem os melhores mecanismos para a gestão dos recursos hídricos. Inclusive as empresas já colaboravam com um fundo administrado pelo consórcio, que financiava melhorias nas Bacias PCJ.

Quando a Lei das Águas entrou em vigor, essa equipe já estava totalmente preparada para colocá-la em prática. Além disso, as empresas da região já estavam integradas à discussão e convencidas da necessidade de colaboração para a melhoria da bacia.

Tanto que a questão da inadimplência, que prejudicou os resultados iniciais da cobrança na Bacia do Rio Paraíba do Sul, não atrapalhou os resultados do comitê da região do Rio Piracicaba. Da renda prevista de R$ 11 milhões no primeiro ano da cobrança, R$ 10 milhões foram arrecadados, sendo os maiores pagadores as empresas de saneamento.

Na região, encontram-se grandes corporações empresariais e muitas multinacionais, com plena consciência da sua responsabilidade ambiental e confiança na condução dos projetos pelo comitê gestor da bacia. Há 16 projetos para ampliação, implantação e adequação de estações de tratamento de esgoto que começam a ser realizados, financiados pelos resultados da cobrança pelo uso dos rios estaduais, que, neste ano, deverá atingir R$ 20 milhões de receita. A meta é dobrar a arrecadação em 2009.

Na Bacia do Rio Paraíba do Sul, desde 2003, quando a cobrança foi iniciada, foram arrecadados R$ 28 milhões. O índice de inadimplência chega a 10%. Foi de 28% no primeiro ano da cobrança. A bacia fornece água para 15 milhões de pessoas em 180 municípios de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Diariamente, o rio recebe 1 bilhão de litros de esgoto doméstico e 8 mil empresas retiram água do seu leito.

O comitê da bacia conseguiu instalar em Jacareí uma estação de tratamento, que elevou de 2% para 20% o volume de esgoto tratado. Outras 75 ações já foram também subsidiadas pelos recursos provenientes da cobrança pelo uso da água, entre elas, ampliações de rede coletora de esgoto, obras de proteção de nascentes e práticas educativas.

Ao comentar a cobrança pelo uso da água no País, muitos ambientalistas atribuem a aparente lentidão à falta de empenho dos governos federal e estadual. É preciso lembrar que mesmo nas regiões mais desenvolvidas do Brasil, como é o caso da Bacia do Piracicaba, 18 anos de trabalho duro de planejamento, pesquisa e convencimento foram necessários para o início da cobrança. Ainda que a ANA receba maiores recursos da União e cumpra com maior empenho seu papel de apoiar os comitês na gestão dos recursos hídricos, impulsionando o processo de descentralização, é preciso respeitar as características de cada região e dos setores envolvidos. A polêmica provocada pela instalação apressada apenas atrapalha o processo.