Título: Governo intensifica assentamento de sem-terra em área amazônica
Autor: Nunomura, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2007, Nacional, p. A14

Oito mil famílias de sem-terra foram presenteadas no ano passado com quase 700 mil hectares em 30 projetos de assentamento dentro do Distrito Florestal da BR-163, no oeste do Pará. Com isso mais que dobrou a quantidade de terra para assentamentos nesta região. Até fevereiro de 2006 haviam sido criados 582,6 mil hectares em 14 projetos, beneficiando 9.354 famílias. A aceleração na criação de projetos para os sem-terra ocorreu depois de 13 de fevereiro de 2006, quando foi implantado o primeiro distrito florestal do País numa resposta ao assassinato, um ano antes, da missionária Dorothy Stang.

A última onda na criação de projetos de desenvolvimento sustentável (PDS), assentamento agroextrativista (PAE) e florestal (PAF) ocorreu nos últimos três meses do ano passado. A Amazônia concentra a maior quantidade de terras públicas no Brasil e sucessivos governos têm usado a região para atingir as metas de assentamento. Um dos problemas da reforma agrária é basear seus resultados no número de assentados e não na qualidade dos assentamentos.

O boom expansionista de assentamentos amazônicos pôs em alerta ambientalistas, entre eles Adalberto Veríssimo, da organização não-governamental Imazon. ¿O histórico dos projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia são desastrosos e se conta nos dedos os casos que deram certo¿, afirma. ¿A maioria só levou gente para lá.¿ O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, reconhece essa lógica. ¿Ainda tem muita gente chegando. Achava que era coisa do passado, mas é todo dia¿, diz.

PORTARIAS

Se o Ibama ou a Funai quiserem ocupar a floresta amazônica, eles precisam provar com estudos rigorosos a viabilidade de uma unidade de conservação ou um território indígena. Já o Incra só precisa ir a campo, mapear os locais com comunidades instaladas e publicar uma portaria destinando uma gleba pública para um assentamento de reforma agrária. Apenas no Pará 9 milhões de hectares foram destinados para projetos desse tipo no primeiro mandato do governo Lula. Foram mais de 50 portarias só na superintendência de Santarém.

Tal facilidade criou dificuldades em outros organismos do governo. O Serviço Florestal Brasileiro, órgão autônomo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), depende dos dados georreferenciados do Incra para iniciar a concessão de florestas públicas e ajudar no próprio manejo sustentável dos assentamentos de sem-terra. Já tem os dados de outros órgãos federais, como o Ibama e a Funai.

A movimentação silenciosa do Incra preocupou órgãos do MMA em duas ocasiões. A primeira, no meio do ano passado, quando o instituto da reforma agrária passou a ser cobrado para dizer onde estavam os novos assentamentos. Não havia transparência no processo. A segunda ocorreu quando se soube que haviam sido criados projetos para sem-terra dentro de duas florestas nacionais e um parque nacional. A sobreposição ocorre em menos de 300 mil hectares em todo o Pará, segundo o Incra. Internamente, os representantes do governo prometem se acertar.

ORDENAMENTO

O Incra indicou que em 30 dias o mapa estará completo e atualizado com os novos assentamentos. Mas já se sabe que será um mapeamento em construção. Segundo o órgão, ainda serão concedidos mais hectares para os sem-terra na região, embora a maior parte dos projetos já tenha sido criada. ¿Realmente aumentou muito e deliberadamente. Essa política (de criação de assentamentos) se insere no ordenamento territorial. Se o Estado não destinar essas terras, o risco de desordenamento é enorme¿, diz Hackbart.

¿Os projetos de desenvolvimento sustentável em si não são um problema, só se forem implementados de forma inadequada¿, diz o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Resende. Segundo ele, não adianta criar assentamentos no papel, uma vez que esse modelo já foi tentado no passado e se mostrou desastroso.

Sem recursos para explorar sustentavelmente a floresta, isto é, obter renda mantendo-a em pé, o sem-terra fica vulnerável às tentações de madeireiros e grileiros. Chega a vender seu terreno a preços irrisórios, tornando-se novamente um sem-terra. E o resultado é que a reforma agrária, ou a política de distribuição de terras, colaborou substancialmente com o desmatamento no passado.

O insucesso de assentamentos na Amazônia ocorre porque até hoje não se descobriu como ganhar dinheiro sem derrubar árvores. O manejo sustentável, cortar árvores e esperar que outras nasçam para fazer novo corte, é ainda uma aposta. Projetos de extrativismo vegetal são pouco rentáveis, porque o produtor rural não domina todas as etapas da produção. A péssima infra-estrutura, basicamente estradas precárias, torna um inferno a vida de um assentado.

Foi Fernando Henrique Cardoso, pressionado pelos movimentos sociais, que criou os PAE, PDS e PAF. Luiz Inácio Lula da Silva herdou o formato. Como ficou claro que não basta assentar em locais sem infra-estrutura, Lula aumentou a quantidade de convênios com prefeituras. Nos dois mandatos de FHC, foram destinados R$ 9,5 milhões para a construção de estradas vicinais aos assentamentos só na região do hoje Distrito Florestal Sustentável da BR-163, uma área de 19 milhões de hectares. Nos primeiros quatro anos do petista, foram R$ 10,9 milhões.