Título: UE chega aos 50 anos em crise
Autor: Pennafort, Roberta
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2007, Internacional, p. A20

Em meio a uma crise da qual ainda não sabe como escapar, a União Européia celebra, neste fim de semana, os 50 anos do Tratado de Roma, pontapé inicial da integração no continente. Embora sejam muitos os motivos para comemorar, como a manutenção da paz e a consolidação do mercado comum, os chefes dos 27 Estados membros, que estarão em Berlim para a festa, têm muito com o que se preocupar. A discussão sobre a Constituição única não vai adiante, a expansão para o leste dificulta a tomada de decisões e os cidadãos têm dificuldade para identificar-se como parte da megaestrutura européia.

Nos encontros do fim de semana, os representantes endossam a chamada 'Declaração de Berlim', que poderá abrir as portas para uma maior unidade política, um dos grandes desafios enfrentados pelo bloco, levando-se em conta o grande número de interesses. Atualmente, essa é a principal bandeira da chanceler alemã, Angela Merkel, que ocupa, até o fim do semestre, a presidência rotativa da UE. Merkel defende ardorosamente a Constituição, instrumento que permitiria facilitar o processo decisório daqui para a frente. Para analistas, a lei comum poderia funcionar ainda como uma espécie de 'mito fundador' da nova Europa, mais coesa e poderosa.

Não é de hoje que a falta de consenso em torno do tema tira o sono da líder, que espera retomar a discussão. Ratificada formalmente por 18 países, a Constituição foi rechaçada em plebiscitos realizados há dois anos na França e na Holanda. Justamente dois dos seis países que em 25 de março de 1957 assinaram o tratado que criou a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom). Os demais foram Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Itália.

O 'não' de franceses e holandeses fez com que o projeto fosse engavetado. Entretanto, a chanceler deixa claro que quer trazê-lo de volta à pauta. 'Se esse objetivo não for alcançado, será um fracasso histórico', disse Merkel, para quem 'uma Europa dividida está condenada ao fracasso'.

A dificuldade de unificar politicamente a UE é apenas um dos elementos de uma crise que, por causa do cinqüentenário, vem sendo diariamente discutida na mídia européia. Na quarta-feira, o jornal espanhol El País, por exemplo, publicou uma entrevista com Maurice Faure, ministro das Relações Exteriores da França em 1957 e único signatário do Tratado de Roma ainda vivo. Ele afirmou que a UE 'está em crise e não avança'. Desiludido, disse que faltam líderes à Europa.

Aos olhos dos especialistas alemães ouvidos pelo Estado, contudo, não se justifica a existência de um 'europessimismo'. 'A cada dez anos fala-se em crise, mas estar em crise é normal. Todos temos certeza que a UE foi a melhor solução para a Europa. Sem ela não teríamos chegado à paz e ao desenvolvimento econômico dos últimos 50 anos', analisou o sociólogo Klaus Eder, da Universidade Humboldt, de Berlim, citando o euro (adotado por 13 países) e a livre circulação de pessoas e mercadorias como dois inegáveis avanços obtidos.

Eder não se surpreende com números de pesquisas como a divulgada na semana passada em Bruxelas, segundo a qual 44% de alemães, britânicos, franceses, italianos e espanhóis acham que a vida piorou com a UE. Paradoxalmente, somente 22% disseram que a nação em que vivem estaria melhor fora dela. 'As pessoas reclamam, mas ninguém quer sair, já que os ganhos superam as perdas. Deixar o bloco não é uma opção, uma vez que as economias são interdependentes', disse

O pesquisador também não acredita que falte confiança dos quase 500 milhões de cidadãos da UE em seus representantes em Bruxelas . 'É verdade que os cidadãos não conseguem entender o sistema. No entanto, eles também não entendem o sistema de seu próprio país. Para os alemães, Bruxelas está tão distante quanto Berlim.'

Para o cientista político Matthias Lehmphul, falta democracia. 'É preciso uma linha direta com o cidadão e também a legitimação das decisões que saem do Parlamento porque os interesses da população não são os mesmos dos governantes.' O crescimento do bloco, consolidado este ano com a adesão de Bulgária e Romênia, é encarado de forma controvertida. Se por um lado aumenta o mercado comum e o peso político da UE no cenário internacional, por outro torna-se cada vez mais difícil chegar a consensos em Bruxelas.

Por fim, existe ainda o temor de que uma leva de imigrantes saia desses países rumo aos parceiros mais industrializados, mão-de-obra barata que tomaria postos de trabalho da população local. Lehmphul, cujo objeto de pesquisa são as fronteiras da UE, lembrou que esse medo é o mesmo de quando Portugal e Grécia entraram no bloco, nos anos 80. No entanto, ressalva que não foi isso que aconteceu. 'A taxa de imigração dentro da UE é de 0,1%. São apenas 170 mil pessoas por ano.'

Entretanto, a vinda de imigrantes de outras partes do globo, de acordo com Lehmphul, é hoje a maior forte de preocupação da UE, que recebe todo ano 1,6 milhão de pessoas vindas principalmente da África. Para reverter o quadro, desde 1999, 6,5 bilhões foram investidos para fortalecer as fronteiras. Parte do dinheiro foi gasto pela Espanha na construção de uma barreira de arame farpado em território marroquino. 'Quando o Muro de Berlim caiu achou-se que não haveria mais muros na Europa, mas novos estão sendo erguidos', disse Lehmphul.