Título: Coalizão administrativa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O presidente do PMDB, Michel Temer, parece ter cunhado uma preciosa expressão, decerto ininteligível em países onde a gestão pública é conduzida por elites tecnoburocráticas praticamente imunes à circulação dos partidos pelo poder, mas que no Brasil retrata um atraso institucional sem nenhum indício de se atenuar, muito menos desaparecer. A preciosidade, enunciada como se fosse a coisa mais lógica do mundo, é ¿coalizão administrativa¿.

Simples assim: os partidos que se unem para dar sustentação parlamentar ao governo - 11, no extravagante caso deste segundo mandato do presidente Lula - não apenas devem estar representados no primeiro escalão, o do comando dos Ministérios, posições consideradas quase sempre políticas, mas devem também compartilhar o controle dos cargos estratégicos da administração direta e indireta.

Longe do deputado, naturalmente, pregar o fatiamento das funções-chave da máquina, de sorte a contemplar todas as agremiações integrantes da fronda lulista. O que ele e os seus desejam é repartir basicamente com o PT, em proporções não necessariamente iguais, o espólio do Executivo federal. Seletiva, a sociedade administrativa que ele tem em mente, portanto, é uma coalizão sui generis dentro da coalizão-ônibus que vai do PC do B ao PP e que, da eleição para cá, a propósito, subtraiu do bloco oposicionista PSDB-PFL-PPS nada menos de 23 parlamentares de maleável coluna vertebral. O primeiro passo do PMDB, onde não há lugar para amadores, foi se precaver contra a repetição da esperteza petista no primeiro mandato, quando o partido do presidente conseguiu se instalar em Ministérios dirigidos por membros de outras legendas.

Agora, os peemedebistas deixaram público que não lhes bastaria ser titulares de tantas Pastas quantas conseguissem extrair do presidente. As nomeações deveriam embutir o princípio da porteira fechada - o ministro nomeado nomeia outros correligionários e afins para todos os infindáveis cargos de confiança no organograma ao seu dispor.

Mas o partido não é intransigente: aceita um estranho na estrutura que enfeudou, desde que possa ocupar cargo de porte similar no Ministério alocado à sigla daquele. Tudo se passa, vai sem dizer, como se o Estado fosse uma cosa nostra, que existe para dar aos aliados vitoriosos da eleição anterior, promovidos a seus acionistas majoritários, os meios para buscar de novo a vitória na eleição seguinte. Quanto maior o número de apadrinhados que um político emplacar, mais numerosos serão os seus futuros cabos eleitorais.

Isso é metade - se tanto - da história. Os cargos interessam na razão direta do volume de recursos sobre os quais os seus ocupantes têm poder de decisão. Como noticiou domingo este jornal, ao arrolar os organismos e empresas estatais especialmente cobiçados pelos políticos, não é à toa que o objeto de uma das lutas mais ferozes entre os governistas é a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que terá a gastar, só este ano, R$ 1,5 bilhão. O seu atual presidente, o político cearense Paulo Lustosa, a definiu como ¿uma máquina de fazer votos¿. Disputam a máquina três grupos do PMDB e os sanitaristas do PT. A vocação da Funasa para pequenas obras nas bases eleitorais dos parlamentares, informa a reportagem Aliados ainda disputam cargos que movimentam mais de R$ 6 bi, publicada domingo no Estado, ¿é de grande utilidade para projetos de poder dos partidos¿.

Os exemplos mais sonantes da coalizão administrativa defendida por Temer são evidentemente leviatãs como a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. No primeiro caso, o presidente petista coexistiria com um diretor de Exploração do PMDB. No Banco, são várias as refregas: o PT quer a presidência, hoje ocupada por um funcionário de carreira, enquanto o sócio peemedebista quer duas vice-presidências. Na Caixa aparelhada pelo PT, o PMDB quer alargar o seu espaço entre as 11 vice-presidências da instituição.

O argumento dos políticos é o de costume: se o indicado tem a qualificação necessária, que mal há em ser ele filiado a um partido? Ora, se apenas 9% dos eleitores têm carteirinha partidária, a proporção de administradores qualificados entre eles deve ser assombrosamente alta para dar conta de tantos cargos.