Título: Vida de Mandela é relembrada em livro
Autor: Dias, Cristiano
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2007, Internacional, p. A13
Será lançado hoje, às 19h30, na Fnac de Pinheiros, o livro Mandela, retrato autorizado, organizado pelos sul-africanos Mac Maharaj e Ahmed Kathrada (tradução de Alexandre Moschella e Joana Canedo, 355 páginas, R$ 88, Editora Alles Trade). O livro traz fotos inéditas do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela (1994-2000) e depoimentos de cerca de 60 admiradores, entre eles Bill Clinton, Mohammed Ali, Kofi Annan e Desmond Tutu.
Maharaj, que esteve preso com Mandela em Robben Island e foi ministro dos Transportes de seu governo, estará em São Paulo para o lançamento. Por telefone, de Johannesburgo, ele falou ao Estado sobre como a fama de Mandela, hoje com 89 anos, ultrapassou as fronteiras da África do Sul e tornou-se uma franquia de honestidade ao redor do mundo. ¿Mandela foi mais do que um George Washington, mais do que o fundador de uma nação. Ele transcendeu a África do Sul¿, diz Maharaj.
Rolihlahla Mandela nasceu em uma tribo cossa, em 1918. Só aos sete anos, depois que entrou para uma escola britânica, é que ganhou o nome de Nelson. Criado para ser chefe tribal, acabou se tornando advogado e militante da luta contra o regime de apartheid, de segregação racial. Nos anos 40, fundou o Congresso Nacional Africano (CNA) e engajou-se na luta contra o governo branco de seu país. Em 1961, virou comandante do braço armado do CNA. Organizou campanhas contra alvos do governo, foi preso e condenado à prisão perpétua. Considerado um terrorista pelos brancos, passou 27 anos atrás das grades, até que fosse libertado, em 1990. Dividiu o Prêmio Nobel da Paz com Frederik de Klerk, último presidente branco da África do Sul, em 1993, e comandou a transição pacífica rumo à democracia. No ano seguinte, foi eleito presidente.
A partir daí, sua trajetória foi fulminante. Mandela virou rua em Paris, no Rio de Janeiro, em Dacar e em Dar-Es_Salam, na Tanzânia. É nome de praça em Salvador, em Haia, em Glasgow e em Valência, na Espanha. Batizou um parque no centro de Kingston, na Jamaica, e várias escolas em lugares improváveis como Bangalore, Berlim, Birmingham e Baton Rouge, capital da Louisiana. Para Maharaj, o fato de ele ter se tornado uma reserva moral fez de Mandela um ícone. ¿A política é um trabalho sujo. Acho que as pessoas, no mundo inteiro, olham para ele e vêem que política e Justiça podem ser uma coisa só¿, afirma.
Por ter se transformado em ícone ainda em vida, é raro encontrar alguma análise que escape à história quase hagiográfica do líder sul-africano. Entretanto, ventos revisionistas já começam a mostrar alguns deslizes de Mandela. O mais evidente foi a falta de uma política pública contra a Aids. Durante a sua presidência, a doença se alastrou pela África do Sul, que tornou-se o país mais infectado do mundo, com 4,2 milhões de soropositivos - hoje são 5,5 milhões. Em entrevista a uma rede de TV britânica, em 2003, ele atribuiu a falha à sua incapacidade de falar em público sobre assuntos ligados ao sexo. O problema, no entanto, virou uma cruzada pessoal contra a doença quando o próprio filho, Makgatho Mandela, morreu vítima da Aids, em 2005.
Na presidência, Mandela transformou a política externa sul-africana em uma campanha pelos direitos humanos. Paradoxalmente, permaneceu grato a todos os chefes de Estado que apoiaram a luta contra o apartheid, incluindo ditadores como o líbio Muamar Kadafi e o então presidente sírio Hafez Assad.