Título: Lula vai trocar retórica social por agenda comercial
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2007, Nacional, p. A9

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara um salto na política exterior de seu segundo mandato. Depois de explorar as retóricas do combate à fome e à pobreza em nível mundial e da união de forças do mundo em desenvolvimento nos últimos quatro anos, Lula começou 2007 com apostas concretas para desatar a Rodada Doha, criar o mercado global de biocombustíveis, integrar a América Latina e adequar as Nações Unidas à geopolítica do século 21.

O sucesso da agenda internacional traçada pelo Palácio do Planalto e o Itamaraty permitirá ao presidente deixar, ao fim de 2010, um legado que irá além das fronteiras nacionais e da imagem de ex-líder sindical obcecado pela temática social.

Essa ambição estará refletida em seu segundo encontro deste mês com o presidente George W. Bush, dos Estados Unidos. Os quatro macrotemas da agenda externa brasileira estarão presentes na conversa dos presidentes.

Na conversa com Bush, pela primeira vez, Lula terá condições de cobrar a proposta que falta para o desfecho da Rodada Doha - um teto menor para os subsídios concedidos aos agricultores americanos. O brasileiro somente terá condições de falar grosso com o americano porque não responde apenas pelo Brasil, mas pelo grupo de economias em desenvolvimento que atua em conjunto nas negociações agrícolas da Rodada Doha, o G-20, e porque o horizonte político para a conclusão de um acordo vai até julho.

Lula deixará claro a Bush que a Rodada Doha não pode naufragar e, em última instância, esse risco poderá ser contornado por meio de compromissos políticos assumidos pelos líderes dos países-chave da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, cuidadoso, o presidente brasileiro só apostará nessa cartada e tentará mobilizar reunião de chefes de Estado se os ministros de Comércio não alcançarem o acordo final de liberalização comercial até julho. Bush já está de sobreaviso desde o encontro do último dia 9, em São Paulo.

ONU

A aproximação do Brasil com a África ao longo dos últimos quatro anos igualmente deu a Lula a ferramenta para tratar com Bush do possível início de um processo formal de negociação sobre a reforma das Nações Unidas - o passo necessário para a ambição de garantir ao País o status de membro permanente no Conselho de Segurança.

O projeto de integração sul-americana, aliado à incorporação da Venezuela como membro pleno do Mercosul e o diálogo fluido com o presidente Hugo Chávez e seus aliados, conferiu a Lula uma posição de interlocutor confiável e oportuno para Washington na discussão dos dilemas políticos e econômicos latino-americanos.

Por fim, o interesse de Bush em reduzir o consumo de combustíveis renováveis nos EUA e em elevar o etanol à condição de commodity internacional resgatou do obscurantismo a ¿campanha formiguinha¿ de Lula em prol dos biocombustíveis. A atenção dos EUA, da União Européia e de outras nações alavancou Lula como o líder nesse debate e o Brasil como o elemento central da expansão da produção de etanol mundo afora.

Com esses quatro macrotemas, Lula tem os instrumentos para dissociar sua imagem internacional das iniciativas de combate mundial à fome, que prevaleceu no primeiro mandato e não trouxe resultados substanciais.