Título: Veto à Emenda 3 é 'questão política'
Autor: Filgueiras, Sônia
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2007, Economia, p. B14

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel afirmou ontem que o governo 'faz pirraça tributária pura' ao insistir na autuação de empresas, quando julga que um contrato de prestação de serviços disfarça uma relação de emprego que deveria estar gerida pela CLT.

'Isso não tem nenhuma importância arrecadadora', declarou o ex-secretário, durante o seminário 'Liberdade de Empreender com Segurança Jurídica', promovido por 28 confederações, federações e associações empresariais ligadas ao setor de serviços. 'Estamos diante de um problema de natureza política e não tributária', acrescentou o ex-secretário.

Antônio Carlos Rodrigues do Amaral, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP, afirmou que 'a Receita Federal não cumpre a lei'. Segundo ele, a Receita adota uma interpretação 'absurda' ao desconsiderar atos ou negócios jurídicos, (ou seja, contratos) firmados entre empresas convencionais e empresas prestadoras de serviço formadas por um único profissional.

Segundo ele, o Fisco usa um eufemismo ao multar contratos desse tipo quando entende que encobrem uma relação de emprego. A Receita informa que está promovendo 'uma desclassificação contábil administrativa' dos rendimentos derivados daquele contrato e não uma desclassificação. 'Há até mesmo orientações internas da Receita no sentido de que, enquanto não se define essa interpretação, as multas continuem sendo aplicadas para evitar a decadência (prescrição) de eventuais créditos', disse Amaral.

Maciel, Amaral e os outros seis expositores do seminário defenderam a derrubada do veto do presidente Lula à Emenda 3, aprovada pelo Congresso, que tentava pôr fim às autuações do Fisco nesses casos. O texto proibia os auditores de multar ou desconstituir empresas, esclarecendo que essa é uma atribuição da Justiça. 'O efeito da preservação do veto é o da valorização da bola (propina). Além de ser inconstitucional, estimula crimes como concussão e corrupção', afirmou o advogado Walter Ceneviva. Para ele, a legislação dá poderes exagerados aos fiscais.

Caso os parlamentares não consigam derrubar o veto, o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB recomenda que as entidades de classe empresariais e profissionais recorram à Justiça contra as autuações por intermédio de mandados de segurança coletivos.

Amaral disse que mesmo sem a vigência da Emenda 3, a legislação existente já garante a legalidade da contratação de pessoas jurídicas formadas por um ou mais profissionais para a prestação de serviços intelectuais, ou de natureza científica, artística ou cultural. Segundo ele, a emenda é importante porque restringe claramente a competência do fiscal, eliminando interpretações divergentes. Maciel é da mesma opinião: 'A emenda é uma ordem de serviço: respeite a lei.'

Maciel e Amaral propõem que o advogado geral da União produza um ato declaratório orientando a administração pública a suspender as multas até que o tema seja regulamentado pelo Congresso Nacional.

O projeto do Executivo em substituição ao veto também foi criticado. O texto dá poder à Receita de desconsiderar 'atos ou negócios jurídicos' praticados com a finalidade de dissimular operações que gerem tributos e fixa prazos de defesa para o contribuinte fiscalizado. 'É quase pornográfica a desproporção entre os deveres do contribuinte e os confortos dados à Receita na cobrança do crédito tributário', disse Ceneviva.