Título: Presidente diz a oficiais que acordo não é válido
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2007, Nacional, p. A4
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou todo o dia de ontem na condição de bombeiro político para evitar uma crise institucional militar. Depois de se encontrar com o chefe da Aeronáutica, Juniti Saito, Lula decidiu convocar reunião com os três comandantes e explicar as condições em que decidiu negociar com os controladores amotinados. Além de Saito, foram ao Planalto no início da noite o general Enzo Peri, do Exército, e o almirante Júlio Soares de Moura Neto, da Marinha.
O presidente procurou mostrar aos chefes militares que seu governo está empenhado em restabelecer a disciplina militar. De acordo com relato de um dos comandantes, o presidente disse que não reconhece o acordo fechado com os controladores em meio ao caos nos aeroportos, na sexta-feira.
Lula relatou aos comandantes que, no diálogo dele com o comandante Saito na noite de sexta, ficou claro que a prisão dos controladores não resolveria o problema, pois não levaria os aviões a decolar e só agravaria a situação. Lembrou que foi pego ¿no meio do Atlântico¿, pois estava em um vôo para Washington quando recebeu a ligação com o relato sobre o que estava ocorrendo no País.
Pelas explicações de Lula, ao ministro Paulo Bernardo foi dada a missão de fazer o controle do tráfego aéreo voltar a funcionar porque ele era o único ministro civil em Brasília na ocasião. Ele cumpriu a missão.
Segundo um comandante militar, o presidente disse que a conversa com os amotinados não foi uma negociação tradicional. ¿Numa negociação, os dois lados, A e B, oferecem suas propostas. Ali (na negociação com os amotinados), só uma das partes cedeu, o que é impossível de ser considerado uma negociação¿, afirmou Lula, segundo relato de um chefe militar. O presidente disse que ¿só negocia em situação de normalidade¿.
No encontro, o presidente quis deixar claro que só tomou a decisão de evitar as prisões dos controladores e de negociar porque, naquele momento, ¿o governo fez o que tinha de ser feito¿. Tratava-se, na avaliação dele, de uma questão de segurança nacional; além do mais, a Força Aérea não tinha reserva de controladores para substituir, de imediato, os amotinados.
Os comandantes expressaram ao presidente seu desconforto com o que consideraram quebra da hierarquia. Lula teria dito então: ¿Está na hora de restabelecer o princípio da autoridade, da hierarquia e da disciplina. O governo não é e não vai ficar refém de ninguém. Não admito isso.¿
A nova atitude de Lula, que passou a ser crítica aos amotinados, já apareceu pela manhã, no programa de rádio Café com o Presidente. ¿Acho muito grave o que aconteceu, acho grave e acho irresponsabilidade¿, declarou o presidente. ¿Todo trabalhador tem direito a aumento de salário, de reivindicar, mas é importante lembrar que, quando eu era dirigente sindical, em algumas empresas que entravam em greve, o setor considerado essencial na empresa a gente acordava com o dono que ele não iria parar.¿ Lula expressou ainda sua insatisfação com os transtornos causados aos passageiros. ¿Se as pessoas querem discutir aumento de salário, vamos discutir, mas não vamos prejudicar o ser humano.¿
Na reunião com os comandantes, o presidente admitiu apenas suspender as punições administrativas, como as remoções de controladores de um Estado para outro. E foi pródigo em elogios à postura do comandante Saito, como vem fazendo desde sábado. ¿Dar apoio aos comandantes é o mínimo que o presidente Lula poderia fazer¿ , comentou um oficial-general ao avaliar a crise que se instalou nos quartéis.
EFEITO DOMINÓ
O presidente ficou muito preocupado com os alertas de auxiliares próximos, que argumentaram que a decisão do brigadeiro Saito de prender os sargentos amotinados poderia abrir uma crise política. O temor era de que a crise do apagão aéreo insuflasse outras categorias da Aeronáutica, em um primeiro momento, e do Exército e da Marinha, em seguida, já que todos têm demandas reprimidas, principalmente de salário. O fato de Lula ter agido rápido ontem, fazendo afagos desde cedo, agradou aos militares.
O presidente foi alertado para o fato de que, no caso da Aeronáutica, há outras especialidades que também são essenciais para o funcionamento do controle do tráfego aéreo. O comando da Força chegou a mostrar ao governo que há vários focos de problemas: os especialistas em manutenção dos equipamentos de comunicações, por exemplo, que são responsáveis pela manutenção dos rádios. Sem eles o tráfego aéreo não flui, porque não há como o avião decolar ou pousar sem que o controlador consiga conversar com o piloto.
A Marinha e o Exército, por sua vez, também têm controladores em seus quadros, apesar do número pequeno. As queixas internas eram muitas e as reclamações eram ouvidas até entre o pessoal que serve em um hospital militar, que criticava as condições de trabalho e os baixos salários.
Os comandantes disseram a Lula que, durante o dia, haviam orientado os subordinados imediatos que conversassem com seu pessoal, cada um em sua área, para tentar estimulá-los e mostrar a importância de cada um em seu setor. Os comandantes das unidades iam realçar a importância de cada área, cada profissão e ressaltar que nem todos os controladores aderiram ao motim.
Um tema que estava fora da pauta do encontro com os comandantes inicialmente, mas acabou dominando boa parte da conversa, foi a decisão do Ministério Público Militar de abrir inquérito militar contra os controladores. O presidente reiterou que o Ministério Público é independente.
FRASES
Luiz Inácio Lula da Silva Presidente
¿Acho muito grave o que aconteceu, acho grave e acho irresponsabilidade¿
¿Todo trabalhador tem direito a aumento de salário, de reivindicar, mas é importante lembrar que, quando eu era dirigente sindical, em algumas empresas que entravam em greve, o setor considerado essencial na empresa a gente acordava com o dono da empresa que aquele setor não iria parar¿