Título: 'Vernon Walters entrava na sala de Galtieri sem bater'
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2007, Internacional, p. A14

O diplomata Gustavo Figueroa foi vice-chanceler da Argentina na época da Guerra das Malvinas e uma testemunha privilegiada dos conturbados dias do conflito. Em entrevista ao Estado, ele relata a estranha influência de Vernon Walters, embaixador especial do governo americano, sobre os militares argentinos.

A junta militar acreditava que os EUA ficariam neutros na guerra?

Os militares, quando decidiram recuperar as Malvinas, acreditavam, equivocadamente, que os EUA não interfeririam, em retribuição pelos oficiais que a Argentina enviara a Honduras para treinar os contras que combatiam os sandinistas da Nicarágua.

Qual era a influência de Vernon Walters sobre a junta militar? Especula-se que ele esteve por trás dos golpes no Chile e no Brasil...

Ele era uma mistura de homem do Exército e da CIA, mas muito civilizado e inteligente. Falava um impecável castelhano. E como os militares argentinos geralmente não falavam outro idioma, era um interlocutor natural. Durante a guerra, ele entrava na sala do (ditador e general Leopoldo) Galtieri sem bater. Era um habitué da Casa Rosada e da Residência de Olivos.

Os EUA enviaram uma delegação para mediar negociações entre a Argentina e a Grã-Bretanha. Walters participava?

Era estranho. Ele participava, mas ficava afastado dos americanos. Depois ia telefonar sabe-se lá para quem.

Quais foram os principais erros de avaliação na guerra?

Houve muitos erros em toda esta história. Por um lado, a embaixada americana em Buenos Aires não imaginava, dias antes da invasão, que ela ocorreria. E a junta militar achava que, tal como um militar me disse, os ingleses iam ter náuseas nos navios e os planos de reação fracassariam. Estavam convencidos disso. Vi os documentos nos quais a inteligência da Marinha afirmava que os britânicos não viriam.

Havia coordenação entre o Exército, a Marinha e a Aviação?

Era como um filme de Woody Allen. Cada uma das três armas agia sem consultar ou informar as outras. Esse foi o caso da Operação Algeciras, um plano da Marinha, que enviou três homens à cidade espanhola de Algeciras, na frente da base britânica de Gibraltar, para pôr bombas nos navios e afundá-los. Eles foram descobertos pela polícia espanhola antes de completar a missão porque haviam ultrapassado o prazo de entrega dos carros, que eram alugados.O embaixador argentino em Madri ligou para Buenos Aires e eu atendi. Ele me contou essa história mirabolante, da qual não tínhamos a menor idéia. O chanceler espanhol Nicanor Costa Méndez então ligou para Galtieri, na Casa Rosada, que também não sabia de coisa alguma. Era assim. Cada arma fazia o que queria. E tudo era na base do improviso. A junta militar não fazia planos para médio ou longo prazo.