Título: Malvinas - soberania, diálogo e diplomacia
Autor: Taiana, Jorge
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

Em 2007, completa-se um novo aniversário do Conflito do Atlântico Sul, um dos piores momentos da longa história da disputa de soberania entre a Argentina e o Reino Unido sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos circundantes.

A ditadura militar que governava a Argentina em 1982 atuou de costas para o povo argentino, afastando-se da tradicional reivindicação pacífica em relação às ilhas. Tratou-se de uma decisão equivocada porque o povo argentino sempre soube que o exercício pleno da soberania sobre as ilhas só poderia ser recuperado por meio do diálogo pacífico e diplomático; igualmente equivocada porque se manipulou a confiança dos combatentes ao pô-los a serviço de um subterfúgio idealizado para sobreviver à conjuntura política, que era adversa ao governo de fato daquele momento.

A Argentina comemora este aniversário com profundo respeito por aqueles que deram sua vida e envidaram esforços nessa região tão querida do seu território. O Reino Unido, por sua vez, anunciou publicamente um programa de eventos revestidos de caráter celebrativo e militarista. A Argentina não pode compartilhar esse espírito.

Transcorridos 25 anos, não devemos perder de vista que a causa do conflito de 1982 o precedeu em muito tempo e continua plenamente vigente após 174 anos da usurpação britânica das ilhas: a recuperação do exercício pleno de nossa soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços circundantes, respeitando o modo de vida de seus habitantes e em conformidade com os princípios do Direito Internacional, que constitui um objetivo permanente e irrenunciável da República Argentina, consagrado em sua Constituição Nacional.

As Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul são parte integrante do território argentino desde o momento da independência argentina, ao fazerem parte do território herdado da Espanha. Até 1833, o governo argentino exerceu de forma efetiva o governo das ilhas mediante autoridades por ele designadas e com sede nesses territórios. Não obstante isso, o Reino Unido usurpou as ilhas e expulsou as autoridades e os habitantes argentinos, que foram substituídos por uma administração colonial e uma população de origem britânica que se mantêm até o presente.

Perpetrado o saque em 1833, a Argentina iniciou imediatamente o que se transformaria numa permanente reclamação pela restituição das ilhas, que não deixou de incluir propostas para solucionar a controvérsia por diversos meios pacíficos.

A justiça de nossa reivindicação foi reconhecida em 1965 pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, que adotou a Resolução 2.065 (XX) e reconheceu a existência da disputa de soberania sobre os arquipélagos austrais, a qual denomina ¿Questão das Ilhas Malvinas¿, define-a como uma forma de ¿colonialismo¿ e impõe, às únicas duas partes na disputa, a obrigação de negociar com a maior brevidade possível, a fim de que se chegue a uma solução pacífica, justa e duradoura para a controvérsia, levando em consideração os interesses dos habitantes das ilhas. Todas as resoluções posteriores da Assembléia-Geral e do Comitê Especial de Descolonização reiteram, até os nossos dias, a vigência do referido mandato.

O Conflito do Atlântico Sul não alterou, portanto, a vigência nem a natureza da disputa, e assim o reconheceu a Resolução 37/9, de 4 de novembro de 1982, da Assembléia-Geral, há menos de cinco meses de finalizado o conflito, bem como resoluções posteriores. Da mesma forma que antes de 1982, a comunidade internacional continuou reconhecendo a disputa após o conflito, por meio de reiterados pronunciamentos, ano após ano, da Assembléia-Geral e do Comitê Especial de Descolonização.

Reatadas as relações diplomáticas em 1990, ambos os países acordaram vários entendimentos provisórios de cooperação, sob a fórmula de salvaguarda de soberania sobre aspectos práticos no Atlântico Sul, com vista a gerar um âmbito propício para retomar as negociações de soberania a fim de solucionar a disputa. Entretanto, o Reino Unido continua executando atos unilaterais ilegítimos, sob reiterado protesto argentino, contrários não só à cooperação acordada, mas também às disposições da comunidade internacional, afastando as partes da mesa de diálogo.

Há 25 anos do conflito, o Reino Unido persiste, assim, em sua resistência à retomada das negociações para solucionar a disputa, contradizendo os reiterados apelos não só das Nações Unidas, mas também da Organização dos Estados Americanos e de outros foros, como as Cúpulas Ibero-Americanas, Reuniões de Presidentes da América do Sul, Cúpulas de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, Grupo do Rio, Mercosul, Aladi e Cúpula dos Países Sul-Americanos e Países Árabes.

É na permanente busca de uma solução para a controvérsia que a nação argentina manterá irrenunciavelmente sua reivindicação com firmeza e de forma pacífica, apresentando em todos os foros internacionais a plena vigência da disputa de soberania e a urgente necessidade de cumprir a obrigação, que pesa igualmente sobre ambas as partes, de encontrar uma solução para ela, mediante a retomada das negociações bilaterais sobre a questão de fundo. Para tal fim é da maior importância continuar contando com o apoio decidido e ativo de nossa região. Por tal motivo, a Argentina agradece e valoriza o incondicional apoio do Brasil, cuja renovada solidariedade de país irmão contribuirá para pôr fim a esta anacrônica disputa colonial.