Título: Problemas e soluções
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

O Rio Grande do Sul conseguiu se antecipar ao Brasil no que diz respeito aos problemas decorrentes do exercício petista de governar. Quando Lula, em sua vitória do primeiro mandato, se referia ao governo gaúcho de Olívio Dutra, ele o fazia sob a forma de uma vitrine a ser imitada. Os traços autoritários daquela experiência foram, depois, reproduzidos em âmbito federal. A sociedade gaúcha mostrava o seu embate histórico entre liberdade e autoritarismo.

O novo governo gaúcho, da tucana Yeda Crusius, exibe em microcosmo os problemas que os diferentes Estados da Federação vivem, assim como as suas formas possíveis de equacionamento, se for para sair das tradicionais meias soluções de aumento de impostos. Num tropeço inicial, ela procurou equacionar os graves problemas das finanças públicas com um novo aumento de impostos. Tal iniciativa, em flagrante contradição com sua proposta de campanha, foi liminarmente rechaçada pela sociedade e não aprovada pela Assembléia Legislativa. Os contribuintes reagiram. A partir daí, porém, começaram as transformações que tinham sido prometidas.

Para se ter uma idéia da situação, o Estado precisa pagar 120% de sua receita. É o maior déficit de todos os Estados brasileiros. De sua folha de pagamentos, 51% são destinados a aposentados, inexistindo um fundo de garantia para pagamento de servidores públicos inativos. O Banrisul, banco estadual, não foi privatizado por uma reação dos setores estatizantes, muito atuantes no Estado. Esses setores chegaram a inscrever na Constituição estadual a proibição de sua privatização. A solução encontrada, criativa, consiste em abrir o capital do banco com a venda de ações preferenciais, guardando o Estado o controle das ordinárias. A Constituição é respeitada e princípios da liberdade econômica são, desta maneira, introduzidos. O resultado poderá ser, se o plano for levado adiante, a captação de R$ 1,5 milhão, destinado a um fundo de garantia para os servidores públicos estaduais. A longo prazo, criam-se condições para o Estado sair da insolvência.

Não há mágica na gestão estatal, como não há no orçamento familiar ou na administração de uma empresa. Não se pode gastar mais do que se ganha, sob pena de um endividamento incontrolável, a longo prazo, tomar conta de tudo. Foi o que aconteceu com o Estado gaúcho, que se debate, há anos, com problemas dos mais corriqueiros, como o pagamento da folha salarial do funcionalismo. Diante dessa questão estrutural, a governadora decidiu inovar, seguindo o exemplo de Estados como Minas Gerais e São Paulo.

O controle do fluxo de caixa foi uma inovação, que causou forte reação nos Poderes Legislativo e Judiciário e no próprio funcionalismo do Executivo. As medidas adotadas vão-se refletir no repasse aos outros Poderes, segundo as disponibilidades efetivas do Tesouro estadual, não seguindo orçamentos que seguem critérios dissociados da realidade. O mesmo ocorre com o parcelamento dos salários do funcionalismo, a serem pagos no dia 10 de abril, para vencimentos superiores a R$ 2.500 líquidos. Nada disto, evidentemente, é algo desejável, mas significa apenas uma realidade que deve ser enfrentada. Quantos pais não deixam de comprar brinquedos para os seus filhos por simples ausência de recursos, e não por falta de vontade?

Decidida a enfrentar o problema da qualidade da gestão pública, a governadora adotou um programa de gestão que segue um projeto elaborado pelo empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Condizente com essa política, contratou o consultor Vicente Falconi, cujos resultados em Minas Gerais já comprovaram a sua eficácia. Uma administração por metas e resultados deve substituir uma forma de gestão pública que se tinha tornado incontrolável e corporativa. Não se podem diminuir os gastos estatais sem uma administração competente. E menos ainda seguindo as lamúrias de muitos governantes, que apenas dizem que não há nada a fazer, enquanto aumentam impostos. São atitudes irresponsáveis deste tipo que advogam, por exemplo, pela não-extinção da CPMF, como se o crescimento dos gastos correntes do Estado fosse algo natural, como se o cidadão contribuinte devesse somente pagar por isso. É possível que um chefe de família gaste mais do que pode e transfira os seus gastos para um terceiro pagante, com caráter obrigatório?

No mundo imperante do politicamente correto, o apoio à implantação de um Centro de Pesquisas da Souza Cruz no Estado foi mais uma amostra de que o processo de atração de novas indústrias obedece a critérios de investimento, de emprego, de produtividade e de novas formas de arrecadação futura de impostos, sem uma maior oneração dos contribuintes. Numa solenidade bastante interessante, o prefeito de Cachoeirinha, José Luiz Stédile, do PSB, irmão de João Pedro Stédile, do MST, saudou a vinda dessa empresa para o seu município, irmanando-se à iniciativa da governante tucana. As radicais oposições regionais, a exemplo dos confrontos entre Grêmio e Internacional, começaram a se amainar em torno de um projeto industrial para o Estado.

O Estado, no entanto, continua sendo um foco de atuação do MST, que procura afugentar empresas aqui instaladas, sobretudo nas áreas de reflorestamento, celulose e papel. A sua ação é tão forte que tem sido palco de cenas de violência reproduzidas nacionalmente. O mau exemplo frutifica. É de esperar que a nova política de segurança não mais pactue com essa falta de respeito à propriedade privada e ao Estado de Direito, sob pena de que ganhos em alguns setores empresariais se traduzam por perdas em outros. Talvez um novo exemplo possa começar a ser dado, não como início de práticas autoritárias, mas de ações baseadas na liberdade. O Estado já foi esteio de idéias liberais, embora tenha sido muito mais conhecido pelo positivismo, pelo trabalhismo e pelo petismo, ramificações de um mesmo tronco.