Título: Prefeitos querem royalties divididos
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2007, Nacional, p. A6

Nem CPMF nem Cide. O principal objeto do desejo dos prefeitos brasileiros, que se preparam para uma nova Marcha à Brasília, são os royalties. Subproduto da receita da Petrobrás com a venda de petróleo, as transferências de royalties para Estados e municípios pularam de R$ 1,8 bilhão em 2000 para R$ 9,9 bilhões em 2006. Mais de 72% desse valor está indo parar nos cofres do Estado do Rio de Janeiro e de nove prefeituras endinheiradas do litoral fluminense.

De olho nessa fortuna, parlamentares ligados à Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estão se mobilizando para tentar mudar os critérios de repartição desses royalties, que hoje privilegiam as localidades mais próximas dos campos petrolíferos. Dos 5.562 municípios brasileiros, apenas 823 foram beneficiados por royalties no ano passado - e, entre eles, 50 concentram 83,6% dos recursos.

O campeão entre todos é Campos dos Goytacazes, no Rio, que recebeu sozinho mais de R$ 847 milhões de royalties em 2006 - um quarto de todo o valor recebido pelos municípios. A prefeitura local comanda um lobby formado pelos nove municípios que mais ganham com os royalties, apelidado de Ompetro (Organização dos Municípios Produtores de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro).

Qualquer analogia com a poderosa Opep (grupo de países produtores de petróleo) não é mera coincidência. A entidade exerce um grande poder de cooptação regional com o dinheiro disponível nas prefeituras e, além disso, conta com o apoio de grande parte da bancada fluminense na Câmara.

Para tentar neutralizar a força desse lobby, a CNM organiza um exército de mais de 2 mil prefeitos que virão a Brasília, no dia 10, cobrar mais recursos do governo federal. Descontentes com a não-aprovação do aumento de 1% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), prometido há três anos pelo Palácio do Planalto, eles prometem brigar agora por uma repartição mais justa dos royalties, além de outros itens de sua pauta de reivindicações.

O deputado piauiense Júlio César (PFL), aliado do movimento, já apresentou recentemente um projeto de lei que transfere a totalidade dos royalties para o sistema de repartição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). É o destino de R$ 4 bilhões anuais, só na esfera municipal, que está em jogo.

¿Os royalties representam dois meses a mais de FPM. É como se houvesse um 13º e um 14º¿, compara o deputado.

De acordo com o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, o objetivo da entidade é abrir um debate sobre as distorções do sistema atual de transferências, trazendo para seu lado até mesmo alguns municípios que hoje são teoricamente beneficiados pelos royalties. Das 823 prefeituras que receberam algum dinheiro em 2006, por exemplo, há 12 que levaram apenas R$ 0,18. Outras 103 prefeituras receberam menos de R$ 1.000 cada. Apenas 182 superam a cifra do R$ 1 milhão.

¿A legislação foi construída no sentido de concentrar recursos, quando deveria atender quem mais precisa¿, afirma Ziulkoski.

A crítica dos prefeitos é reforçada também por estudos acadêmicos, como o do economista Rodrigo Valente Serra, professor da Universidade Cândido Mendes, do Rio.

Especialista no assunto, Serra avalia que o critério de distribuição dos royalties - baseado na ¿sorte geográfica¿ de se localizar em regiões próximas de campos petrolíferos - provocou uma hiperconcentração de recursos públicos em poucas localidades, sem nenhum nexo com os impactos socioambientais provocados pelas atividades de extração do petróleo.

De acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional, os investimentos dos municípios em saneamento e meio ambiente estão muito aquém do que recebem de royalties. Em Quissamã, por exemplo, a receita de royalties supera a casa dos R$ 5.000 por habitante, enquanto o investimento em gestão ambiental oscila em torno de R$ 5 apenas.

Para Serra, uma das soluções que o Brasil poderia adotar para lidar com essa situação seria definir um valor máximo de teto para as transferências de royalties, como ocorre na Colômbia e em alguns Estados norte-americanos. ¿As rendas petrolíferas não são dos Estados e municípios como o céu é do condor¿, compara Serra.

Segundo ele, a concentração de recursos foi agravada com as mudanças legais feitas em 1997, quando o governo federal precisava do apoio dos prefeitos para quebrar o monopólio do petróleo. Hoje, segundo ele, seria conveniente incorporar novos indicadores para balizar o rateio de recursos, como o local de moradia e trabalho da mão-de-obra petrolífera.

Até mesmo deputados da região da Bacia de Campos, como Geraldo de Souza (PMDB-RJ), o Pudim, reconhecem que o atual sistema é falho ao não prever mecanismos mais eficazes e rígidos de fiscalização da aplicação dos recursos. ¿A cidade de Campos virou um oásis. Há uma entrada muito grande de recursos, mas esse dinheiro não chega na ponta¿, critica Pudim.