Título: Malvinas: no lugar das ovelhas, peixe e (muito) dinheiro
Autor: Rohter, Larry
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2007, Internacional, p. A8

Há 25 anos, a Argentina invadiu este arquipélago açoitado pelo vento e dominado pela Grã-Bretanha, no remoto sul do Atlântico. Depois de 11 semanas de combates que deixaram cerca de mil mortos, as tropas de Londres expulsaram os invasores, permitindo que os moradores continuassem seu estilo de vida eminentemente britânico.

Hoje, as 2.955 pessoas que vivem aqui enfrentam um desafio bem diferente: um influxo de estrangeiros, atraídos pela prosperidade resultante de mudanças introduzidas pelos britânicos após o triunfo de 1982.

Funções como tosquia de ovelhas e enfermagem são hoje desempenhadas por chilenos, enquanto mestiços da ilha de Santa Helena trabalham como garçons e em lojas. Perto da costa, navios coreanos, taiwaneses, russos e espanhóis com tripulações indonésias, filipinas e bengalesas pescam toneladas de lulas, que substituíram a lã e a carne de carneiro como o principal produto de exportação do território. ¿Não somos em número suficiente para todo o trabalho¿, disse Mike Summers, membro do conselho legislativo das ilhas.

Antes da guerra, o arquipélago era pouco mais que uma fazenda de ovelhas gigante, dominada havia mais de um século pela Falkland Islands Co. Os moradores do campo eram arrendatários, não proprietários, e dependiam da companhia para qualquer coisa.

A invasão argentina de 2 de abril de 1982 mudou tudo. Primeiro veio o trauma do combate. Os lares viraram alvos e os moradores se esconderam em abrigos improvisados. Mas, no fim das contas, a guerra foi benéfica para os moradores, que na maioria são de origem inglesa ou escocesa e às vezes são chamados de ¿kelpers¿, em referência a uma alga encontrada na região.

¿O Conflito¿, como a guerra é conhecida por aqui, obrigou a Grã-Bretanha a rever sua relação com o arquipélago e motivou, por exemplo, a concessão da cidadania britânica integral à população local. Mas as maiores mudanças foram mesmo econômicas, resultado da decisão de Londres de conceder aos ilhéus a jurisdição sobre as águas geladas, mas ricas em peixes ao redor.

¿A guerra foi um catalisador da mudança, mas na verdade foi a zona de pesca que deu o principal impulso¿, disse Andrea Clausen, integrante do conselho legislativo que supervisiona os assuntos relacionados à pesca.

Hoje, as atividades pesqueiras rendem cerca de US$ 88 milhões por ano. Como resultado, as Malvinas têm uma das rendas per capita mais altas do mundo, de cerca de US$ 50 mil por ano, e reservas bancárias de US$ 360 milhões.

Por causa do boom da pesca, no entanto, as relações com a Argentina pioraram recentemente. O presidente argentino, Néstor Kirchner, promete usar apenas a diplomacia na campanha para recuperar o controle das ilhas, mas a promessa não consola os moradores.

¿A reivindicação (da Argentina) ainda paira sobre nossas cabeças¿, disse Leona Roberts, curadora do museu local. ¿Enquanto for assim, será difícil sentir algo além de raiva e rancor.¿