Título: Uma no cravo...
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2007, Economia, p. B2

Que mês esse de março, hein? Descobrimos que somos 10% mais ricos - pela nova contagem do produto interno bruto (PIB), do IBGE - e que crescemos mais com menos investimentos.

Com a queda do dólar, outro fenômeno do mês, ficamos mais ricos ainda nessa moeda internacional. O PIB já aumentado em reais ainda vale um pouco mais na moeda americana, a que se usa para as comparações internacionais. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou: o Brasil já é a oitava economia do mundo.

É pouco. Continuando nessa marcha, se o dólar for a R$ 1, o PIB brasileiro passa folgado dos US$ 2 trilhões e encosta no da França, da Inglaterra, da China. Aí já seremos milionários, entre os cinco mais ricos do mundo.

Já o salário médio real dos brasileiros que trabalham nas seis principais regiões metropolitanas, medida do IBGE divulgada na semana passada, subiu para R$ 1.096,30 em fevereiro. Isso mesmo, uma alta, expressiva, de 6,1% sobre fevereiro de 2006.

O que mostra o valor muito relativo desses números todos.

Pelas novas contas, o Brasil cresceu 3,7% no ano passado, em vez dos 2,9% dos números antigos. Como a taxa de investimento ficou em 16,5% do PIB, ante os 19% anteriores, isso também deu espaço a comemorações: a economia brasileira é mais produtiva, pois cresce mais com menos investimentos.

Verdade.

Mas também é verdade que a economia cresce mais para gerar os mesmos (insuficientes) empregos.

De fevereiro do ano passado para cá - sempre os dados do IBGE - foram gerados 500 mil empregos, elevando para 20,4 milhões o número dos ocupados. Os desocupados permaneceram exatamente no mesmo nível, 2,32 milhões há um ano, 2,32 milhões agora. E é alto o nível geral de desemprego, de 9,9% em fevereiro, mantendo a tendência de uma taxa em torno dos 10%.

Isso significa que a economia está gerando empregos para as pessoas que entram no mercado de trabalho, mas não na quantidade necessária para reduzir o estoque de desempregados. Considera-se, em geral, que a taxa de desemprego de equilíbrio no Brasil seria algo em torno de 5% - metade do que se verifica hoje.

Continuamos, portanto, com o mesmíssimo problema, a baixa capacidade de gerar empregos.

O IBGE trouxe ainda outro dado que permite essa avaliação de uma no cravo e outra na ferradura. O número de empregados com carteira assinada alcançou 54% dos ocupados, um recorde de alta.

Portanto, há formalização em marcha, a boa notícia. Mas isso também mostra que 46% dos trabalhadores continuam nas diversas modalidades de informalidade, sem a sagrada proteção da legislação trabalhista e previdenciária.

Ou seja, reforma trabalhista e previdenciária, para levar alguns direitos e alguma proteção a esse pessoal, continua na ordem do dia.

E as prisões? - Na última sexta, o presidente Lula sancionou a lei que prolonga o tempo de prisão dos condenados por crimes hediondos. Também assinou a lei que considera falta grave o uso de celulares nos presídios.

Muito bem, mas, e a fiscalização? E os presídios?

Não é provocação. Ainda na última semana saíram os números: há 242 mil vagas no sistema prisional para 401 mil presos. Considerando que há 100 mil mandados de prisão não cumpridos, o déficit atual é de 259 mil vagas.

Custo de construção por vaga: R$ 25 mil. Assim, seriam necessários investimentos imediatos de pelo menos R$ 6,5 bilhões, principalmente dos governos estaduais. Mas isso não vai andar sem o apoio e a liderança do governo federal.

Não há dinheiro disponível.

Só para lembrar. Nos Estados Unidos, que têm a maior população carcerária em proporção ao número de habitantes e que conseguiu reduzir os índices de criminalidade, há presídios concedidos a empresas privadas. O setor público paga um tanto por mês por preso e a concessionária tem de entregar o serviço.

Mas eles, lá nos Estados Unidos, não entendem nada disso de segurança, não é mesmo?

Elas por elas - O governo faz superávit primário - uma economia no seu orçamento - para pagar juros e reduzir o endividamento do setor público.

Os três itens, superávit, conta de juros e dívida, podem ser medidos de duas formas: 1) pelo valor absoluto, em reais; 2) pela proporção em relação ao PIB.

Esta última medida é a mais relevante. Considere uma família: se deve 10 e ganha 20, está com sério problema. Se continua devendo 10 e ganha 100, a dívida é quase nada.

Depois da última revisão das contas nacionais, feita pelo IBGE, o valor absoluto do PIB aumentou 10%. Mas o valor em reais daqueles três itens permaneceu o mesmo.

A dívida líquida de todo o setor público fechou fevereiro em R$ 1,076 trilhão. Pelo cálculo antigo, isso representava 49,8% do PIB. Pela nova contagem do IBGE, esse mesmo valor absoluto caiu para 44,6% do PIB.

Obviamente ocorreu a mesma coisa com a medida proporcional do superávit primário: ficou menor. Mas para pagar uma dívida também menor.

O governo federal anunciou na quinta-feira que a meta absoluta de superávit primário deste ano permanece em R$ 95,86 bilhões, mas representando agora 3,8% do PIB (em vez dos 4,25% originais). E isso significa que a política de controle das contas públicas (ou a política de redução do endividamento) manteve o mesmo padrão. Isso porque a dívida pública, que deveria chegar ao final do ano em 47,7% do PIB, já está abaixo dos 45% pela nova contagem.

Se quisesse manter o superávit nos mesmos 4,25% do PIB, o governo deveria fazer neste ano uma economia em torno de R$ 105 bilhões. Disse o ministro Mantega que não vale a pena, porque isso exigiria cortes adicionais de gastos, R$ 10 bilhões. Seria, de fato, muito forte. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo, estão previstos para este ano investimentos de R$ 1 bilhão em aeroportos.

Mas tem um outro lado. No primeiro bimestre deste ano, as receitas do governo federal, mantendo a tendência dos últimos anos, subiram 13,2% em relação ao mesmo período de 2006.

Ou seja, o ganho de receita pode ser gasto ou pode ser poupado para engordar o superávit primário e matar a dívida mais depressa.