Título: Para aliados, comandantes fizeram presidente recuar
Autor: Samarco, Christiane e Monteiro, Tânia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2007, Nacional, p. A6

Líderes governistas que participaram ontem da reunião do Conselho Político deixaram o Palácio do Planalto com a certeza de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou das promessas feitas aos controladores de vôo, na sexta-feira, porque foi enquadrado pelos comandantes das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica). O chefe da Aeronáutica chegou a rejeitar categoricamente a prometida medida provisória para reestruturar o sistema de proteção aos vôos e conceder uma gratificação aos controladores.

Apesar de ter se comprometido a abrir negociações salariais com os controladores e até admitir que faria uma ¿revisão de atos disciplinares militares¿, Lula não teve como resistir aos argumentos dos comandantes - que pressionaram pelo ¿imediato restabelecimento da disciplina e da hierarquia¿. Ontem, diante do Conselho Político, fez a mais contundente jura de aliança com os chefes militares.

Ao fim do dia, para dar mais uma prova desse reforço da autoridade militar, o governo repôs nas mãos do Comando da Aeronáutica as negociações com os controladores, acabando assim com a idéia de que um ministério civil abrisse um diálogo de perfil sindical - situação incompatível com a disciplina dos quartéis. ¿O presidente deu o apoio que todos esperávamos. As coisas estão dentro da normalidade¿, resumiu ontem o general Enzo Peri, comandante do Exército.

Na reunião do Conselho Político, Lula admitiu claramente, segundo um dos líderes, que o problema com os controladores de vôo ganhara dimensão de crise militar institucional.

Segundo relato ao Estado de um dos participantes da reunião, Lula se mostrou decidido a bancar a posição dos militares, resgatando a autoridade plena da Aeronáutica. ¿A disciplina e a hierarquia militares são inegociáveis. É esse o caminho¿, teria dito Lula. A avaliação geral foi de que, na sexta-feira, o presidente tomara decisão muito mais emocional do que racional, sem saber o que fazer com aeroportos lotados.

¿NÃO ACEITO MP¿

Um dos conselheiros presidenciais revelou que os líderes políticos chegaram ao Planalto ¿nervosos e tensos¿ por conta do relato feito pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), sobre a conversa que tivera na véspera com o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito.

No encontro, o brigadeiro teria deixado claro que a crise era ¿gravíssima¿, a ponto de os oficiais superiores dos controladores terem deixado os postos de trabalho nos Cindactas, diante do ambiente de indisciplina instalado na sexta-feira.

¿Não aceito quebra de hierarquia nem que uma medida provisória passe por cima de nossa autoridade, determinando aumentos de salários que são da nossa competência¿, teria ouvido Chinaglia.

Diante dos protestos da Aeronáutica, Lula chegou a se perguntar diante dos conselheiros: ¿O que podíamos fazer com toda aquela gente nos aeroportos se não havia como substituir os amotinados?¿ Na conversa, o próprio Lula cogitou a hipótese de substituir controladores brasileiros por estrangeiros, já que a língua usada internacionalmente é o inglês, mas ponderou sobre as dificuldades - a maioria do pessoal de operação em terra não domina o inglês.

Diante desse cenário, o vice-líder governista na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), deixou o Planalto negando que tenha havido qualquer acordo entre governo e controladores de vôo para livrar os amotinados de punição. ¿O presidente Lula não negociou absolutamente nada com eles¿, disse Albuquerque, preocupado em ressaltar publicamente que Lula ¿não aceita amotinamento nem negocia com amotinados¿.

Na mesma linha, o vice-líder Henrique Fontana (PT-RS) afirmou que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, atuou na sexta-feira para produzir uma ¿solução emergencial¿, evitando o confronto final com o presidente fora do País. ¿Foi apenas para sinalizar que o governo estava apostando no `distensionamento¿ para não deixar o povo refém de uma situação.¿ Segundo ele, a circunstância agora é outra e a questão tem de voltar a ser conduzida pela Aeronáutica.

Ontem, Lula chegou a orientar o Comando da Aeronáutica a prender e incluir em inquéritos policiais militares (IPMs) controladores de vôo que venham a promover algum tipo de insubordinação.

TEMOR

Lula demonstrou receio de ser chamado de ¿ex-sindicalista que rompe acordos¿. ¿Já fiz muita greve, estou acostumado com isso. Só acho que, se eles querem me atingir, coloquem faixas contra mim e não descarreguem a ira na sociedade¿, teria afirmado Lula, segundo relato do deputado Jovair Arantes (PTB-GO). Ontem à tarde, ao fim da solenidade de apresentação dos novos oficiais generais, no Palácio do Planalto, o presidente ficou em silêncio e demonstrou irritação ao ser indagado pelo Estado sobre o temor de ser acusado de ex-sindicalista que rompe acordos.

Lula não escondeu a ira com os controladores, acusando-os mais uma vez de traição. ¿Eles são tão civis que nem usam mais fardas¿, ironizou o presidente, segundo relato de líderes partidários. ¿Ficam oito horas nos aeroportos e nem passam pelos quartéis. Esses caras adoram a vida civil, mas não querem tirar a farda.¿

Um dos participantes da reunião, o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), relatou que o presidente não aceitará intimidações dos controladores e só vai conversar sobre aumento de salário após garantir a ¿ordem absoluta¿.

FRASES

Beto Albuquerque Vice-líder do governo

¿O presidente Lula não negociou absolutamente nada com os controladores¿

Henrique Fontana Vice-líder do governo

¿Foi apenas para sinalizar que o governo estava apostando no `distensionamento¿ para não deixar o povo refém de uma situação¿.