Título: Chávez, Correa e Evo cimentam estrada do 'socialismo do século 21'
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2007, Internacional, p. A12

Em menos de 24 horas, o governo dos três países que se situam mais à esquerda na América do Sul anunciaram uma série de medidas econômicas destinadas a asfaltar o caminho na direção do que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, qualificou de ¿socialismo do século 21¿.

Ontem pela manhã, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou a formação de uma comissão para negociar com a empresa italiana Euro Telecom a retomada por parte do Estado, nos próximos 30 dias, da empresa de telecomunicações Entel. O embaixador italiano na Bolívia, Silvio Mignano, disse esperar que as negociações sobre a continuação ou não da empresa no país se realizem ¿sem pressões¿.

Na noite de segunda-feira, o próprio Chávez - que já determinou a nacionalização das operações petrolíferas e da maior parte dos serviços de infra-estrutura da Venezuela - ameaçou nacionalizar também clínicas privadas e hospitais que abusem do preço dos tratamentos.

Horas depois, no Equador, o presidente socialista Rafael Correa - em meio a uma dura disputa com o Congresso do país por causa da realização do referendo para a instalação de uma Assembléia Constituinte - anunciou um plano econômico que subordina o pagamento do serviço da dívida externa ao financiamento de ambiciosos programas sociais.

Mais que coincidência, as medidas indicam a convergência dos três países para um bloco regional socialista, antimercado e fortemente antiamericano.

Na esteira da revolução bolivariana chavista, Evo já promoveu, em maio, a nacionalização de todo o setor petrolífero boliviano. Correa promete trilhar o mesmo caminho, nacionalizando os hidrocarbonetos e os ¿setores estratégicos¿ da economia.

Os três presidentes, sob a clara liderança de Chávez, são a ponta-de-lança de um movimento qualificado por vários cientistas políticos de ¿pouco responsável¿ e representam a negação do Consenso de Washington - expressão cunhada pelo economista John Williamson, em 1990, que resume as recomendações básicas para o ajuste macroeconômico dos países em desenvolvimento. Essas recomendações, feitas pelo FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouro dos EUA, contemplavam a redução do tamanho do Estados, privatizações, desregulamentações e rígida disciplina fiscal.

¿Essas medidas ajudaram os países latino-americanos a controlar processos hiperinflacionários, mas pouco fizeram para reduzir a pobreza¿, declarou ao Estado, por telefone, Cristina Abad, porta-voz da sede equatoriana da Corporação Andina de Fomento (CAF) - entidade ligada à Comunidade Andina e formada por 17 países da América Latina e Caribe para promover a integração regional . ¿O preço do controle fiscal, que reduziu programas sociais, foi o surgimento de líderes de perfil populista que catalisaram a revolta dos chamados despossuídos contra as políticas neoliberais.¿ Em outras palavras, o camponês que recebe um litro de leite por dia graças a um programa governamental não vê nenhuma vantagem na suspensão desse programa em troca de índices macroeconômicos nacionais mais favoráveis. Mesmo sob o argumento de que uma economia saudável lhe permitirá, no futuro, comprar seu próprio litro de leite.

¿Nos bastidores desses movimentos populistas, o que menos importa é a questão econômica¿, declarou, também por telefone, o historiador venezuelano Manuel Caballero. ¿Não há política econômica de longo prazo. Pelo menos no que diz respeito ao caso da Venezuela, o que existe é uma estratégia política imediatista para que Chávez se perpetue no poder.¿

Caballero analisa que programas sociais são importantes para a satisfação das necessidades básicas dos mais fracos. Mas quando levados às últimas conseqüências, convertem-se em poderosos instrumentos de manutenção do poder.

¿Em qualquer país da América Latina, são as camadas C, D e E que definem as eleições. Com isso, os programas sociais se transformam em moeda de troca¿, diz Caballero. ¿Enquanto houver dinheiro para que o Estado siga comprando parte do eleitorado, o governo de turno se mantém no topo. Não conheço bem os casos de Equador e Bolívia, mas no caso de Chávez é exatamente isso que acontece¿, prossegue. ¿O que não se sabe é até quando o preço internacional do petróleo se manterá tão alto a ponto de sustentar essa bonança.¿