Título: Relatório derruba argumento da guerra
Autor: Smith, Jeffrey
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2007, Internacional, p. A12
Um relatório confidencial do Departamento de Defesa, liberado na quinta-feira, revela que o Pentágono sabia que o regime de Saddam Hussein não estava cooperando diretamente com a Al-Qaeda antes da invasão do Iraque pelos Estados Unidos. A suposta ligação de Saddam com os seguidores de Osama bin Laden foi usada pela Casa Branca, em 2003, como um dos argumentos para invadir o Iraque.
Uma versão resumida do relatório já havia sido divulgada em fevereiro. Mas a atual, completa, apresentada pelo inspetor-geral, Thomas F. Gimble, contém detalhes sobre o consenso dos agentes da inteligência, antes da guerra, de que o governo iraquiano e membros da Al-Qaeda tinham contatos apenas limitados. E também sobre suas avaliações no sentido de que notícias dando conta de relações mais estreitas tiveram como base informações não confirmadas ou duvidosas.
A divulgação do relatório acorreu no mesmo dia em que o vice-presidente americano, Dick Cheney, foi a um programa de rádio e reafirmou que a Al-Qaeda estava operando dentro do Iraque ¿antes que tivéssemos iniciado a guerra¿, sob o comando de Abu Musab al-Zarqawi, o terrorista morto em junho de 2006. Cheney citou a história para ilustrar seus argumentos de que uma saída das forças americanas do Iraque ¿iria beneficiar a Al-Qaeda¿ .
O presidente do Comitê dos Serviços Armados do Senado, Carl M. Levin (democrata de Michigan), que pediu a divulgação de relatório secreto, disse num comunicado que o texto completo demonstra por que o inspetor-geral concluiu que um departamento-chave do Pentágono, dirigido pelo então subsecretário da Defesa, Douglas J. Feith, tinha redigido inoportunamente avaliações da inteligência antes da invasão, em março de 2003, sobre ligações entre a Al-Qaeda e o Iraque - o que era contestado, por consenso, pelo serviço de inteligência dos EUA.
Segundo um trecho do relatório, o escritório de Feith tinha afirmado numa sessão de informação para o então chefe de gabinete de Cheney, Lewis ¿Scooter¿ Libby, em setembro de 2002, que as relações entre o Iraque e a Al-Qaeda estavam ¿amadurecidas¿ e ¿simbióticas¿, marcadas por interesses compartilhados e cooperação em dez categorias, incluindo treinamento, financiamento e logística. Isso apesar de a CIA ter concluído o contrário em junho de 2002: que houve poucos contatos comprovados entre militantes da Al-Qaeda e autoridades iraquianas e não existiam evidências de relacionamentos de longo prazo como os que o Iraque tinha forjado com outros grupos terroristas.
A CIA concluíra separadamente que as notícias de treinamento de iraquianos em armas de destruição em massa eram ¿episódicas, imprecisas e não comprovadas por outros canais¿, diz o relatório do inspetor-geral. A CIA não foi a única, enfatizou o relatório. A DIA, sigla em inglês da Agência de Inteligência da Defesa, também concluíra que ¿as informações disponíveis não são categóricas o bastante para demonstrar uma ligação em curso entre o regime iraquiano e a Al-Qaeda¿.
Feith defendeu vigorosamente seu trabalho e acusou o inspetor-geral de ¿fornecer maus conselhos, com base em apuração incompleta dos fatos e pouca lógica¿ , dizendo que o Gimble tinha sido ¿estimulado pelos presidentes dos comitês de serviços armados e de inteligência do Senado¿.
As declarações públicas de Cheney sobre os riscos apresentados pelo Iraque, antes e depois de iniciada a guerra, seguiram a mesma trilha da sessão de informação que o gabinete de Feith apresentou para Libby - incluindo a descrição da sessão de informação de uma alegada reunião em Praga, em 2001, entre um funcionário da inteligência iraquiana e um dos terroristas que participou dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, que seria ¿um dos oito contatos entre Iraque e Al-Qaeda conhecidos¿.
A sessão de informação para Libby também foi apresentada com ligeiras mudanças ao então secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, ao diretor da CIA na época, George Tenet, e ao vice-assessor de Segurança Nacional, Stephen Hadley. Segundo o relatório, ela foi preparada em parte por um analista de inteligência descrito como ¿reservista júnior da Marinha¿ ligado à DIA e destacado para o gabinete de Feith.
Na sessão de informação, cujo sigilo foi agora quebrado, chegou a ser anunciado que ¿relatórios incompletos apontam para um possível envolvimento do Iraque não apenas nos eventos do 11 de Setembro, mas também em ataques anteriores da Al-Qaeda¿.
Essa idéia foi rejeitada em 2004 por uma comissão presidencial que investigou os ataques do 11 de Setembro, observando não existir ¿nenhuma prova confiável¿ que a apoiasse.