Título: Produtos beneficiados pelo dólar baixo sobem a metade da inflação
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2007, Economia, p. B1
Maior fonte de alívio inflacionário nos últimos anos, a valorização do real ante o dólar tem gerado desaceleração e até queda nos preços dos produtos comercializáveis, ou seja, aqueles que podem ser importados ou exportados pelo País.
Do início de 2004 até fevereiro deste ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve de referência para a meta de inflação, subiu 18,4%. Nesse período, os produtos comercializáveis encareceram 10,9%, enquanto os não-comercializáveis ficaram 20,2% mais caros e os preços administrados tiveram alta de 25,7%.
Os números são de um levantamento do economista Raphael de Castro, da LCA Consultores, que analisou o comportamento dos preços de acordo com a classificação adotada pelo Banco Central (BC).
Alguns produtos, especialmente os eletroeletrônicos, chegam a ser vendidos hoje a preços até 45% menores do que as lojas ofereciam em janeiro de 2004 , como é o caso dos aparelhos de DVD. Um televisor sai hoje 27,32% mais barato, em média, do que em 2004. O preço médio do microcomputador caiu 24,23% e o de um aparelho de som diminuiu 3,05%, nessa mesma comparação.
Para se ter uma idéia do efeito da queda dos preços, tome-se o exemplo hipotético de um trabalhador que ganhasse R$ 1.000,00 em 2004 e cujo salário tivesse sido reajustado pela inflação do período, para R$ 1.184,00 hoje. Para comprar um aparelho de DVD que custasse R$ 500,00 à vista naquele ano, seria preciso comprometer 50% da sua renda mensal.
Hoje, ele compraria o mesmo aparelho por R$ 275,00, comprometendo só 32,2% da renda. A diferença, de R$ 409,00, poderia ser destinada à compra de outros bens e serviços ou à poupança. Além disso, o consumidor conta agora com o benefício da maior oferta de crédito.
O vendedor Carlos Bertolli Júnior, de 56 anos, se valeu disso quando foi às compras na última quinta-feira, depois de receber seu salário. Ele levou para casa uma TV de 14 polegadas e um rádio com CD player por R$ 518,00 numa loja do Carrefour, em São Paulo. O pagamento foi parcelado em dez prestações, sem juros, de R$ 51,80, no cartão de crédito da loja. ¿O preço é razoável: cabe no salário¿, disse Bertolli, que trabalha numa concessionária de veículos e recebe R$ 3. 500 por mês.
O recuo dos preços no período analisado pela LCA não se restringiu apenas a bens de consumo duráveis . Diversos produtos que fazem parte da cesta básica também apresentaram deflação. Entre eles, estão alimentos, como o arroz (-28,35%) e o óleo de soja (-13,95%); artigos de higiene pessoal, como o sabonete (-7,83%), e produtos de limpeza doméstica, como o sabão em pó (-2,96%).
¿O câmbio é o principal mecanismo de transmissão da atual política monetária¿, observa o economista da LCA .¿Entre ter uma atividade econômica mais robusta, com uma inflação maior, e uma atividade menos robusta, com uma inflação menor, o governo optou por esta segunda alternativa.¿ Castro refere-se aos efeitos do real valorizado e do juro elevado.
A política do governo tem recebido pesadas críticas do empresariado, sob o argumento de que leva à desnacionalização da produção industrial. Fábricas de calçados e de têxteis e vestuário, que perderam competitividade tanto no mercado interno quanto no de exportação, por exemplo, já demitiram milhares de trabalhadores. Algumas delas recorreram à concordata ou fecharam as portas.
¿A questão é quem vai conseguir sobreviver até que a ortodoxia do Banco Central resolva reverter as atuais condições do mercado¿, diz Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Além do impacto direto do aumento da concorrência dos produtos estrangeiros, a valorização do real beneficia indiretamente o consumidor.
Segundo o economista da LCA, alguns setores da indústria conseguem manter e até cortar preços, por meio da redução de custos de produção proporcionada pelo barateamento de bens intermediários importados, que entram na composição dos produtos manufaturados. A mesma situação se verifica no caso dos bens de capital, cuja importação favorece a modernização das fábricas.
As tarifas públicas também passaram a pesar menos no bolso do brasileiro, por causa do câmbio. Os preços da maioria dos serviços públicos são reajustados anualmente com base na variação do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), que reflete em boa parte o comportamento da taxa de câmbio. No ano passado, a variação dos preços administrados, medidos pelo IPCA, ficou em 4,3%, ante 9% em 2005.