Título: Guerra de atrito na CTNBio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Bem que se temia que a decisão do presidente Lula de sancionar o projeto de conversão da medida provisória que mudou o sistema de votação na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) seria insuficiente, embora necessária, para enfrentar o combate sem quartel movido pela vociferante coalizão do ¿Brasil livre de transgênicos¿ contra a biotecnologia aplicada à agricultura. Desde que foi recriada, em 2005, a CTNBio realizou 100 reuniões plenárias, sem aprovar um único pedido de plantio de sementes produzidas por engenharia genética. Só duas variedades do gênero - uma de soja, outra de algodão - estão autorizadas no País. Há pouco, até mesmo uma vacina transgênica para animais, comprovadamente segura e eficaz, deixou de ser liberada. No caso, faltou um voto para se alcançar o quórum legal de 2/3 dos 27 membros da comissão.

Não é que os contrários aos transgênicos tenham poder de fogo para ganhar no voto as decisões da CTNBio. Dos seus integrantes, não passam de 8 os que ali tomaram assento apenas para dizer sistematicamente não às solicitações de liberação do cultivo comercial de organismos geneticamente alterados. Diante dessa flagrante desvantagem, recorrem a truques os mais variados para protelar as votações. Disciplinados, jamais faltam às sessões, ao passo que diversos cientistas do órgão, vencidos pelo cansaço e tendo mais o que fazer, nem sempre se abalam a ir a Brasília para participar de mais uma assembléia estudantil, que é o que têm sido as reuniões da comissão. Por isso, a titular do Meio Ambiente, Marina Silva, e os seus aliados fizeram o que puderam para que o presidente vetasse a redução daquele número mínimo para 14, ou seja, a maioria mais 1 dos votantes.

Derrotada, se esperava que a ministra se demitisse, mas ela deve ter concluído que não lhe falta espaço para continuar combatendo o inimigo por dentro, como se diz. Os fatos lhe dão razão. A sua permanência no governo é um estímulo para que os ecoxiitas e os inimigos do agronegócio continuem também a lançar mão de toda sorte de artimanhas para paralisar a CTNBio.

Na quinta-feira passada, um dia depois da sanção presidencial do projeto - ele vetou apenas o artigo que anistiaria os plantadores de algodão transgênico ilegal -, a comissão deveria finalmente apreciar, já sob a nova norma, a liberação de uma variedade transgênica de milho resistente a herbicida, requerida pela Bayer há nada menos de 9 anos. (Estão na fila outros 10 pedidos de autorização de sementes modificadas.) Mas a sessão acabou antes de começar.

Precedida por uma audiência pública que os sabotadores do processo querem anular na Justiça, a votação foi adiada devido ao aranzel armado pela procuradora da República Maria Soares Camelo Cordioli, cujo retrospecto na comissão deixa claro que a sua única intenção ali, como representante do Ministério Público (MP) Federal , é obstruir. Respaldados por ela, ativistas do Greenpeace quiseram assistir aos trabalhos como ¿ouvintes observadores¿, o que lhes seria facultado desde que a solicitação fosse aprovada pelos participantes da reunião. Mas eles se recusaram a deixar o recinto para que se fizesse a votação. A manobra deu certo. Farto do bate-boca, um cada vez mais estressado presidente da comissão, o bioquímico Walter Colli, da USP, transferiu a sessão para o próximo dia 18. Nada assegura, evidentemente, que até lá a situação será outra.

Na tática de investir numa frente depois de outra, na esfera judicial, a procuradora avisou que entrará com recurso para garantir o livre acesso ¿a qualquer do povo¿ aos trabalhos da comissão que não forem sigilosos. Vai sem dizer que, no caso, a expressão designa os fanatizados militantes que decerto não pretendem exatamente ser espectadores pacíficos das atividades de um órgão cujas decisões, pela sua natureza científica, devem ocorrer em clima de serenidade e respeito mútuo. Antes, em fins de fevereiro, o MP do Distrito Federal tinha entrado com um pedido de liminar numa ação civil pública para afastar o presidente da CTNBio, por supostas irregularidades na sua designação. Na semana passada, a Justiça negou o pedido. O MP vai recorrer. O intuito é eternizar a guerra de atrito que já custa bilhões à economia brasileira.