Título: 'TSE não devia legislar, mas legisla'
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Nacional, p. A6

A melhor resposta às diferenças sobre a fidelidade partidária, que dominaram a cena política na última semana, é votar logo a reforma política inteira, defendeu em entrevista ao Estado o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara. Ele voltou a garantir que o projeto consensual para a reforma política, aprovado por uma comissão especial da Câmara no ano passado, será votado até maio pelo plenário.

Chinaglia também pretende colocar logo em votação o projeto de reajuste dos salários e benefícios dos deputados. Ele disse não estar preocupado com a péssima repercussão da primeira tentativa de votar o reajuste, no ano passado. ¿A população não é contra o deputado ter um salário digno, é contra o deputado não trabalhar¿, afirmou.

O presidente da Câmara disse que é favorável ao voto distrital misto, no qual parte dos deputados é eleita em disputa majoritária em distritos, e parte é eleita pelo sistema proporcional, através de listas elaboradas pelos partidos. Mas ele defende o sistema belga, no qual o eleitor pode interferir na ordem dos nomes escolhida pelas elites partidárias. Eis a entrevista:

Como vai se definir a questão da fidelidade partidária, depois da decisão do TSE?

Os partidos interessados vão entrar com ações na Justiça e o final de tudo vai depender da decisão final do Judiciário. Ou - não podemos descartar a hipótese - por uma iniciativa legislativa a partir da decisão do TSE.

Mas a vida não pode transcorrer assim, o tribunal toma uma decisão, a Câmara muda a lei...

Também acho. Eu não estou defendendo isso, estou dizendo que é possível. Mas o que eu já tinha feito? Na segunda semana da Câmara, coloquei na ordem do dia a reforma política. A melhor resposta às questões em torno da fidelidade é votar logo a reforma política. Numa reunião com os líderes, ficou acertado que faríamos um grupo de trabalho, com representação de todos os partidos, com prazo para votar em plenário até o final de maio.

O sr. se refere ao projeto que brotou da comissão especial que cuidou da reforma política?

É, aquela comissão especial consolidou a discussão, porque tudo ali foi decidido por unanimidade. Vou dar possibilidade de os novos parlamentares debaterem o assunto. Uma nova legislatura sempre tem ajustes a serem feitos. Mas o máximo que eu podia fazer eu fiz, colocar na ordem do dia.

E o sr. acha que as chances de votar esse projeto são reais?

São reais. O que atrapalhou um pouco o nosso calendário foi a disputa em torno da CPI do Apagão Aéreo. Isso resultou numa longa obstrução. Nós perdemos aí três semanas. Mas agora, que não tem mais obstrução, vou pautar o tema na reunião com os líderes desta semana.

A reforma política tem chance de ser votada no primeiro semestre?

Tem. Até para dar tempo de ser votado também no Senado até o fim do ano. Porque sempre há o risco de um projeto votado numa Casa ser revisado na outra. Com isso, o TSE legisla. Não devia, mas legisla.

Qual a sua posição? O sr. é a favor do voto distrital, do distrital misto ou acha que o voto proporcional está dando conta do recado?

Eu não sou a favor do voto distrital, até porque me incomoda muito imaginar que o deputado vai para a Câmara defender os interesses da região. Temo que ele acabe sendo um vereador federal. E eu prezo muito o debate amplo dos rumos do País. Segundo, não acredito que seja tão automático que o distrito consiga fiscalizar o deputado, como alegam os defensores do voto distrital. Não é verdade. Imagine um distrito aqui em São Paulo, com 500 mil eleitores, não vai fiscalizar o deputado de forma alguma. Não só porque não há essa possibilidade física, geográfica, como também pelo fato de que não é cabível imaginar que, por ser o deputado de um distrito, ele vai abdicar de suas posições partidárias. É só acompanhar as votações na Câmara. As posições são partidárias. O deputado não se orienta, digamos, nas questões nacionais, no modelo atual, pelo seu Estado ou pela sua região. Um ou outro pode fazê-lo, mas a maioria se orienta por posição partidária. Terceiro, eu tenho uma propensão, dado que o sistema atual também está longe de ser perfeito, a votar por um sistema distrital misto e com a possibilidade de que o eleitor possa alterar a posição dos nomes na lista apresentada pelo partido.

É o sistema belga.

É. Eu tenho sérias dúvidas sobre dar à burocracia partidária o controle das listas fechadas. Se a lista for fechada e feita pela burocracia partidária, você tira a chance de o povo dizer quem serão os deputados e dá esse direito à burocracia partidária.

O sr. diria que a maioria do PT acompanha a sua posição?

Acho que a maioria do PT, como eu, se inclina pelo financiamento público de campanha, em primeiro lugar. Mas para ter financiamento público de campanha tem de ter a lista. E para democratizar a lista, é preciso dar ao eleitor o poder da interferência na ordem dos nomes. Eu acho que a maioria do PT se inclina por isso.

E então, deputado, vamos ter reajuste ou não vamos ter reajuste para os deputados?

Eu, na campanha (para a presidência da Câmara), disse que resolveria imediatamente o reajuste dos deputados. E é o que pretendo fazer. O ¿imediatamente¿ não poderia ser, por óbvio, colocar o reajuste como primeiro projeto a ser votado na nova legislatura. Então, estrategicamente, o que eu procurei fazer, discutindo com os líderes e com a Mesa da Câmara? Nós estamos numa nova legislatura, então vamos trabalhar bastante, vamos decidir coisas importantes para o País. A população não é contra o deputado ter um salário digno. A população é contra o deputado não trabalhar, o deputado não se aplicar no seu mister. E eu acho que a Câmara está trabalhando muito, muito.

Mas vota logo?

Assim que conseguir desobstruir a pauta, vou colocar em votação no plenário o reajuste dos deputados, mas antes é preciso conversar com o Senado. Eu quero conversar também com o Executivo, porque a minha opinião é que o presidente e o vice-presidente têm de ganhar igual a deputados e senadores, como sempre foi. Não acho correto o presidente da República ganhar dois terços do que ganha um deputado ou um terço do que ganha um juiz. Não acho justo.

O reajuste vai ser calculado com base na inflação?

Vai. E vai ser votado em plenário, com voto aberto, à luz do dia. Eu sempre disse e vou repetir agora: de um lado, não pode haver tema proibido para o Congresso Nacional; de outro, se não há tema proibido, não há por que não debater, para que a sociedade acompanhe. Isso fortalece a democracia.

Como é que o sr. está se sentindo como presidente da Câmara? Continua sendo um petista?

Todo mundo sabe quais são as minhas convicções. Elas não se abalaram. Sempre lutei duramente pelas minhas idéias. Mas como presidente o meu dever é conduzir a Câmara de maneira democrática, com isenção. Estou me esforçando duramente para cumprir esse papel.

O sr. vai deixar a presidência da Câmara ano que vem para ser candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PT?

Já há uma certa especulação sobre os prováveis candidatos à prefeitura pelos vários partidos. O nome mais forte que o PT tem é o de Marta Suplicy. E eu não me coloco, até porque está longe demais e eu estou absolutamente concentrado na Câmara. Isso não está no meu cenário imediato.

Quem é:

Arlindo Chinaglia

É médico radiologista e foi bancário do Banco do Brasil e do Banco da Lavoura de Minas Gerais.

Foi fundador do PT e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Foi deputado estadual em São Paulo e secretário da prefeitura na gestão Marta Suplicy. Antes de assumir a Câmara, era líder do governo.