Título: Papéis mostram que Goulart subestimou risco de golpe
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Nacional, p. A12

Papéis secretos mostram que o governo do presidente João Goulart subestimou a possibilidade de os militares darem o golpe que completou 43 anos ontem. Produzidos apenas seis dias antes do levante de 31 de março de 1964, documentos inéditos revelam que o Conselho de Segurança Nacional apostava numa solução pacífica para a crise enfrentada pelo Brasil. Na ocasião, o governo Goulart enfrentava o caos político e econômico, depois de apresentar no fim de 1963 a maior taxa de inflação (79,9%) e o menor indicador de crescimento do Produto Interno Bruto (0,6%) registrados até então.

¿Embora constantemente trabalhada pela propaganda partidária, devendo-se esperar um recrudescimento nesse trabalho de catequese de chefes militares para soluções golpistas, permanecem as Forças Armadas, como um todo, fiel (sic) à sua missão. Elas deverão manter-se alheias à luta política, assegurando condições para que as franquias constitucionais sejam resguardadas, para que o povo possa se fazer ouvir, para que os interesses da maioria prevaleçam sobre os da minoria, para que o regime seja resguardado¿, diz o ofício secreto nº 025/3078/64 do gabinete da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança, naquele período ainda plenamente alinhado à administração Goulart.

O documento, ao qual o Estado teve acesso, está guardado no Arquivo Nacional e ganha maior importância por ter sido produzido em 25 de março de 1964, às vésperas do golpe militar. Àquela altura, o governo Goulart já tinha plena consciência da alta temperatura política do País, depois da realização, em 19 de março, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na qual cerca de 200 mil pessoas protestaram abertamente contra o presidente e suas propostas de reformas.

O ¿estudo¿ do Conselho de Segurança esmiúça todo o cenário de confronto do governo com setores políticos adversários. O choque de opiniões com os militares também é registrado detalhadamente. A análise admite que os militares até gostariam de poder usar a força para mudar o governo, mas considera que a ¿esmagadora maioria¿ das Forças Armadas apoiava o governo.

No cálculo estratégico do Conselho de Segurança, a tendência era de que os adversários do governo mantivessem a disputa política em vez de adotarem solução de força. Afinal de contas, haveria eleições presidenciais no ano seguinte e Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda já haviam lançado suas candidaturas.

Apesar de não apostar no golpe, o estudo sugere o ¿reforçamento (sic) urgente do dispositivo de segurança na área militar, integrando-o, principalmente nos setores de maior expressão, por elementos ideologicamente vinculados à política reformista do governo¿. Assim, considerava que o governo teria a situação sob controle. A história provou que não.