Título: Soldados carregaram por anos estigma da derrota
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Internacional, p. A18

Há 25 anos eles eram jovens - na média, tinham 19 anos. Na manhã de 2 de abril de 1982, foram informados que a Argentina havia reconquistado as Ilhas Malvinas. Poucos dias depois, aos milhares, foram enviados para a recôndita e gélida Patagônia, de onde foram mandados para as distantes Malvinas.

A estupefação dos primeiros minutos foi substituída pela exaltação nacionalista. Mas, nas semanas seguintes, os maus-tratos por parte dos oficiais, a falta de comida e de roupa adequada ao clima frio do Atlântico Sul - além dos bombardeios britânicos - transformaram suas vidas num pesadelo. Um quarto de século depois, são adultos que tentam continuar suas vidas, embora carreguem para sempre as duras lembranças dos tempos em que foram recrutas nas Malvinas.

Norberto Lorenzo Santos é um dos ex-combatentes das Malvinas. Em sua casa na cidade de La Plata, junto com colegas do Centro de Ex-Combatentes Ilhas Malvinas de La Plata, recebeu o Estado para relatar como é sua vida 25 anos depois do conflito bélico, no qual perdeu o braço direito durante um bombardeio britânico no fim da sanguinária batalha de Monte Longdon.

Segundo ele, ao chegar viu que as cozinhas de campanha do Exército argentino eram à lenha: ¿Mas numa terra onde não há árvore alguma! Tínhamos de comer a refeição fria! E quando a fome aumentou matamos ovelhas com os fuzis FAL. Quando os ingleses se aproximaram, passamos a comer as ovelhas cruas. Os oficiais comiam bem. Eles tinham doces, chocolates.¿

Santos chegou às Malvinas com 82 quilos. Quando foi levado das ilhas, semimorto, sem um braço e com um tiro no peito dado por um oficial argentino que quis dar-lhe o golpe de misericórdia para - supostamente - não ter de levá-lo a um hospital, pesava 33 quilos.

Juan Salvucci tinha 27 anos na época. Por causa do curso universitário de Arquitetura, havia pedido prorrogação do serviço militar. Por isso, foi convocado para a guerra de 1982. Até poucos meses atrás, Salvucci tinha ataques de pânico. Hoje, ostenta os nomes dos filhos em uma tatuagem no braço, ao redor da silhueta das ilhas. ¿São meus amores. Meu filho, minha filha, as Malvinas.¿

AMARGO RETORNO

Os soldados das Malvinas tornaram-se a escória da sociedade durante anos após o fim da guerra, pois eram vistos como ¿derrotados¿. Muitos tiveram dificuldades para conseguir empregos, pois os empresários temiam contratar o que denominavam de ¿potenciais psicóticos¿. Centenas de ex-soldados tiveram que mendigar.

Cálculos de centros de ex-combatentes indicam que mais de 450 ex-soldados suicidaram-se por traumas da guerra. O número é superior ao de soldados mortos em combates em terra, em batalhas nas ilhas, que foi de 326 baixas (não contam os mortos no afundamento do cruzador General Belgrano, um total de 323).

Nos anos 90, a situação começou a mudar. Com o governo do presidente Néstor Kirchner, as pensões - juntando o benefício federal com os provinciais - passaram de 500 pesos (US$ 166) para 2.500 pesos (US$ 833).

Hoje, nas escolas, os ex-combatentes são mostrados como heróis. ¿As crianças me fizeram desenhos e cantaram para mim. Fiquei emocionado¿, relatou o ex-combatente Felipe de Luca.