Título: Kirchner tenta reaver Malvinas
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Internacional, p. A18

O governo do presidente argentino Néstor Kirchner desferiu a mais dura ofensiva para recuperar as Ilhas Malvinas (Falklands, para os britânicos) por vias diplomáticas desde o fim da guerra que a Argentina travou com a Grã-Bretanha pela posse do inóspito arquipélago, em 1982. Ao longo dos últimos dias, o governo argentino anunciou medidas de retaliação econômica contra a Grã-Bretanha pelo estancamento do diálogo sobre a soberania das ilhas.

Por trás dessa ofensiva não estão somente os 25 anos da invasão argentina às ilhas, que se comemoram amanhã, mas também uma jogada eleitoral, já que Kirchner disputará sua reeleição em outubro (embora se especule que a candidata poderia ser sua mulher, a senadora Cristina Fernández de Kirchner). No contexto político, obter avanços sobre a hipotética recuperação das Malvinas - o grande sonho territorial do país - equivale a garantir centenas de milhares de votos, já que as ilhas tocam fundo nos corações e mentes dos argentinos.

Nos próximos três meses, a Argentina fará uma forte campanha para reaver as ilhas em vários organismos e fóruns internacionais. Em junho, será a vez do Comitê de Descolonização da ONU, onde a Argentina pedirá aos países que o integram para que pressionem Londres.

Ainda em junho, na cúpula do Mercosul que será realizada em Assunção, pedirá aos países-membro apoio nessa ofensiva. E o governo Kirchner voltará à carga durante a reunião anual da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Na quinta-feira, o chanceler Jorge Taiana declarou que a Argentina terá uma 'política de firmeza' com a Grã-Bretanha. As declarações foram acompanhadas da suspensão de um tratado de 1995 que previa cooperação para a exploração de gás e petróleo na plataforma marítima das ilhas. Além disso, o governo ameaçou as empresas petrolíferas que operam em 'nossas Ilhas Malvinas' sob legislação britânica de impedi-las de atuar na plataforma continental argentina. Há a expectativa de que Kirchner pronuncie amanhã um discurso exigindo a retomada das negociações sobre a soberania das ilhas e a devolução do arquipélago à Argentina.

Em Londres e Port Stanley (capital das Malvinas), a ofensiva de Kirchner desperta preocupação. Há um mês, o comandante das forças britânicas nas ilhas, brigadeiro Nick Davies, declarou que estava ali 'para evitar qualquer agressão' argentina e tinha capacidade para defendê-las. O governador Alan Huckle admitiu: 'Há o temor de que a invasão argentina possa ocorrer novamente'.

Para os argentinos, as ilhas foram 'usurpadas' pelo 'imperialismo britânico'. Para os britânicos, as ilhas pouco importavam até 1982, pois estavam nos longínquos confins do Atlântico Sul. A guerra alterou a importância das ilhas, já que a Grã-Bretanha precisava defender seu prestígio como potência mundial secundária. Para os kelpers, como são denominados os habitantes, não pertencer à Argentina é uma questão crucial. Eles argumentam que preferem continuar vivendo próspera e calmamente sob a coroa britânica - ou declarar a independência - a pertencerem à Argentina. O senador Rodolfo Terragno, da União Cívica Radical, alerta para o risco de os kelpers declararem a independência, o que levaria a pique as reivindicações argentinas. Ele argumenta que seria um absurdo declarar a independência, já que 55% dos habitantes das ilhas não nasceram ali.

Há 25 anos, uma multidão em júbilo celebrou a notícia da invasão nas ruas de Buenos Aires. Simultaneamente um clima antibritânico tomou conta do país. Centenas de pessoas depredaram a histórica Torre dos Ingleses no centro portenho. A derrota na guerra teve até influências no futebol. O Brasil, que era o principal time que os argentinos sonhavam derrotar nas copas do mundo, foi substituído pela seleção inglesa, por motivos puramente geopolíticos. Desta forma, todas as vezes que o Brasil enfrentou a Inglaterra, os argentinos torceram desesperadamente pela seleção canarinho.

Frases:

Jorge Taiana Chanceler argentino 'A Argentina terá uma política de firmeza com a Grã-Bretanha'

Alan Huckle Governador das Malvinas 'Há o temor de que uma invasão possa ocorrer de novo'

Rodolfo Terragno Senador argentino 'Existe o risco de os kelpers declararem a independência'

Norberto Lorenzo Santos Ex-combatente 'Mandaram cozinhas a carvão numa terra que não tem árvores. Tínhamos de comer a refeição fria. Quando os ingleses chegaram, passamos a comer ovelhas cruas'.