Título: 'Argentina vitoriosa teria atacado Chile'
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Internacional, p. A19

Nos últimos 25 anos, a maior parte da produção literária e cinematográfica e dos ensaios históricos escritos na Argentina sobre as Malvinas oscilou entre o chauvinismo e o destaque ao sofrimento dos soldados mal treinados enviados às ilhas. Apenas um punhado de pessoas emite opiniões críticas sobre as reivindicações argentinas e a guerra. Uma delas é o analista político e sociólogo Vicente Palermo, que lançou recentemente o livro Sal nas Feridas (Editora Sudamericana, R$ 62,99). 'Lamentavelmente, está ocorrendo uma recuperação da idéia de que a Guerra das Malvinas foi uma saga', disse Palermo ao Estado.

O analista lembra que, entre as hipóteses levantadas no início do conflito estava a de que se a Argentina conseguisse ficar com as Malvinas (por resignação do governo britânico ou uma vitória argentina), os militares, num inesperado exercício de prudência política, aproveitariam o capital ganho e fariam uma transição administrada para o poder civil. 'Desta forma, as Forças Armadas, com o prestígio do triunfo nas Malvinas, teriam muito poder controlando um governo civil, como Augusto Pinochet fez no Chile durante vários anos. Mas esta hipótese era bem improvável. A ditadura não tinha talento para isso', assinalou Palermo.

'A outra hipótese, mais provável, é a de que os militares, depois de terem conseguido as Malvinas, invadissem o Chile (os dois países quase foram à guerra em 1978 por causa da disputa pelo Canal de Beagle)', afirmou o analista. 'Era uma perspectiva muito real. Os falcões da ditadura desejavam essa guerra com os chilenos. E esse foi um dos motivos que levaram Pinochet a colaborar com Margaret Thatcher durante a guerra. Uma invasão do Chile teria precipitado uma crise sem precedentes em toda a região.'

Palermo é um dos poucos que afirmam publicamente que em 1982 a Argentina foi o país agressor. 'Por mais documentos que possam indicar que a posse das ilhas deveria ser da Argentina, a invasão foi uma agressão internacional.'

Até a virada do século os argentinos celebravam o 10 de Junho como o Dia da Soberania das Malvinas. Mas nos últimos anos começaram a festejar o 2 de Abril, o dia da invasão argentina.

'Foi uma invasão realizada por uma ditadura atroz. E agora o governo argentino voltou a ignorar o desejo dos ilhéus. O desejo dos ilhéus tem muita importância. Senão, aparecemos diante do mundo como um povo obcecado e não razoável. E não acho que sejamos assim', disse Palermo.

Ele sustenta que a política externa argentina tem um custo caro com a 'birra' da 'malvizinação' da política exterior. 'A obsessão com esse assunto tem efeitos tóxicos', diz.

As Ilhas Malvinas foram descobertas há 407 anos. Em todo esse período, os argentinos só tiveram posse formal do arquipélago durante 13 anos , de 1820 a 1833, dos quais apenas 7 de ocupação real.

Apesar do breve tempo, as ilhas são a principal obsessão nacionalista do país. Desde a escola primária os alunos ouvem constantemente o slogan 'as Malvinas são argentinas'. Fora a paixão pelo futebol, a reivindicação das Ilhas Malvinas é o único consenso da sociedade argentina, costumeiramente dividida por profundos antagonismos políticos e culturais. Os mapas da Argentina incluem as Ilhas Malvinas como se fossem parte do território argentino.