Título: 'Por que não falamos no inferno?', pergunta o papa
Autor: Kington, Tom
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Vida&, p. A31

Durante séculos, o inferno foi um dos temas favoritos da Igreja Católica. Agora, o papa trouxe à memória do seu rebanho que o inferno é o inferno e lamentou o fato de que raramente se fala nele hoje em dia. Bento XVI aproveitou a missa no subúrbio de Fidene, em Roma, para pôr a danação de volta à pauta.

¿Jesus veio para nos dizer que quer todos no paraíso e que o inferno, sobre o qual pouco se fala atualmente, existe e é eterno para aqueles que fecham seu coração para o amor d¿Ele¿, advertiu o papa à congregação.

O assunto parou por aí, pois Bento XVI não especificou o que está à espera do pecador na outra vida, acrescentando apenas que ¿nosso verdadeiro inimigo é o apego ao pecado, que pode levar ao fracasso de nossa existência¿.

Esse discurso áspero é próprio da posição conservadora do papa e de uma visão da religião e da sociedade cada vez mais voltada para seus fundamentos,o que tem respingado no debate político na Itália e em outros países.

Ele esquentou o clima neste ano com críticas severas aos políticos italianos por considerarem uma lei que dê direitos aos casais homossexuais. Depois o Vaticano solicitou à ONU que modifique a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, para inserir um artigo dizendo que médicos e enfermeiros têm o direito de boicotar abortos e a manipulação de embriões humanos.

No domingo, o papa causou constrangimento na festa do 50º aniversário da União Européia ao insinuar que a queda vertiginosa na taxa de natalidade no continente poderá levá-lo ao esquecimento.

Embora tenha sido sucinto nos detalhes sobre o inferno,Bento XVI não chegou ao ponto de descartar a existência do diabo. No Relatório Ratzinger, uma entrevista com a extensão de um livro publicada quando ele era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o papa diz que o demônio é ¿uma presença enigmática, porém real e não meramente simbólica. Ele é uma realidade poderosa, uma liberdade super-humana perniciosa dirigida contra a liberdade de Deus¿.

O papa não chegou ir tão longe quanto John Milton, que no seu livro Paraíso Perdido retratou Satã ¿acorrentado num lago em chamas¿ no inferno. Segundo especialistas, se o papa Bento XVI se absteve de delinear um quadro do inferno, os fiéis também não devem se permitir dar asas à imaginação.

¿Há 40, 50 anos, os padres retratavam o inferno na linha do famoso sermão do livro de James Joyce, Retrato de Um Artista Quando Jovem¿, disse Michael Paul Gallagher, deão de teologia da Universidade Gregoriana de Roma. ¿Entretanto, essa descrição de diabos com garfos teve a mera intenção de fomentar o medo de uma forma que não era fiel ao evangelhos.¿

¿Mas é uma liberdade aterradora viver uma recusa ao amor e viver somente para si mesmo. O inferno é mais um estado de separação de Deus ou a auto-exclusão do amor, em vez de um castigo de Deus. Podemos optar por viver dessa forma aqui na Terra e, de forma aterrorizante, escolher isso para sempre¿, explica Gallagher. ¿Sartre disse que o inferno são os outros, ao que T.S. Elliot replicou que o inferno somos nós mesmos. Mas os dois concordaram que o inferno pode começar na Terra.¿