Título: Loyola: BC poderia ter atuação maior na política econômica
Autor: Racy, Sonia
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2007, Economia, p. B2

A semana que passou foi plena de discussões sobre se o câmbio, no Brasil, é fixo ou flutuante, sobre a revisão do PIB, entre outras coisas. Para falar sobre esses assuntos, a coluna convidou o ex-BC Gustavo Loyola.

Aqui vão trechos da sua entrevista.

Afinal, o câmbio hoje, no Brasil, é flutuante ou fixo?

É flutuante sim, mas está muito estável e não há regra no sistema de câmbio flutuante que diga que ele não possa passar por épocas de baixa volatilidade. A recomposição das reservas está fazendo com que a cotação do dólar fique quase parada. Mas aí não vejo por que o BC deveria perder a oportunidade de recompor suas reservas. Agora, o patamar das reservas já chegou a um nível adequado.

O timing da mudança de cálculo do PIB, feita pelo IBGE, foi apropriado?

Como o senhor vê as mudanças de estatísticas deste governo, tanto na Previdência como no PIB. Os números mudam a realidade? Trata-se de um estudo que vem sendo preparado há muito tempo. O timing foi o da conclusão do estudo. As mudanças são positivas e ajudam a conhecermos melhor a realidade econômica. Mas não têm o condão de mudar a realidade. No caso das contas previdenciárias, as alterações são apenas contábeis. No caso do PIB, porém, as mudanças são substantivas e têm maior relevância econômica. O que o senhor achou da mudança da meta de superávit primário para 2007? A rigor, não houve mudança da meta de superávit, o que variou foi sua proporção em relação ao PIB. Com a mudança de metodologia no cálculo do PIB, uma adequação estava prevista. Havia três caminhos, manter o porcentual em relação ao PIB, o valor em reais ou optar por um meio-termo. O governo decidiu manter o valor. No meu entender, com isso perdeu a oportunidade de aprofundar o esforço fiscal.

Por falar em esforço fiscal, como o senhor vê a possibilidade de o País gastar menos do que arrecada? A fórmula montada no PAC vai ajudar?

O PAC não lida adequadamente com a questão fiscal. O Brasil deveria ter um programa de longo prazo de redução da proporção entre o gasto público e o PIB. Isso permitiria o decréscimo gradual da carga tributária e o aumento do investimento público. Seria irrealista acreditar na modificação rápida e radical da situação atual, tendo em vista a natureza não discricionária de grande parte dos gastos públicos no Brasil.

O que o senhor acha da dosagem da política monetária brasileira?

Acredito que as expectativas inflacionárias e o hiato do produto permitem quedas adicionais na taxa Selic. O fato de o processo ser lento é justificável. O BC não pode correr o risco de ¿errar na mão¿ e ter que voltar a subir os juros. Isso seria negativo para a credibilidade da política monetária e afetaria negativamente as decisões de investimento e de consumo.

O que o senhor acha da atuação do BC como um todo?

Muito positiva. Não é exagero dizer que a competente política monetária reelegeu o presidente Lula. Na maioria dos casos, as críticas ao BC são injustas e sem nenhuma base técnica. Basta olhar para as expectativas inflacionárias que projetam uma taxa de inflação abaixo da meta para 2007 e 2008.

No governo Lula, foi preservado o espaço da política monetária, mas sacrificou-se a participação do BC na economia. Isso não é ruim?

Sem dúvida. Embora o BC tenha mantido sua autonomia operacional no campo da política monetária, deu para notar um certo recolhimento da instituição na discussão de outros temas de importância na política econômica. Essa é uma diferença importante entre o BC no governo Lula e no governo FHC. Um banco central ¿clássico¿, voltado primordialmente para a política monetária, não é necessariamente ruim, como se vê pela experiência dos países desenvolvidos. Porém, no Brasil atual, acredito que a diretoria do BC poderia ter trazido uma importante contribuição na formulação de outras políticas públicas, como ocorreu no governo FHC. Ademais, a autonomia na política monetária não significa ausência de coordenação no âmbito da política macroeconômica. Exemplo: uma abertura maior da economia teria efeito positivo sobre a competitividade e sobre o câmbio.

Por que o senhor acha que isso aconteceu?

Talvez porque tenha sido o preço a pagar para manter a autonomia na formulação e execução da política monetária, sobretudo após a saída do ministro Palocci.

Nos últimos anos, o Brasil pegou carona no céu de brigadeiro da economia global. Se trovoar, o que vai acontecer?

Houve uma expressiva redução da vulnerabilidade externa do País nos últimos anos, graças a sucessivos superávits em conta corrente, ao aumento das reservas internacionais e à redução da dívida externa, sem contar o controle da inflação e a mudança do perfil da dívida interna. Se trovoar, a economia brasileira poderá sentir um pouco, mas não haverá crise alguma.

O Brasil aproveitou bem a boa maré externa?

No que diz respeito à redução da vulnerabilidade externa, sim. Porém, falhamos miseravelmente na realização de reformas microeconômicas que possibilitariam ao País uma trajetória sustentável de crescimento econômico.