Título: Lei seca irrita venezuelanos e cria 'mercado negro'
Autor: Romero, Simon
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2007, Internacional, p. A12

Muitos venezuelanos ignoram os freqüentes apelos do presidente Hugo Chávez para criar um novo homem por meio de uma revolução socialista. Mas um decreto limitando severamente a venda de bebidas alcoólicas durante boa parte da Semana Santa seguramente chamou sua atenção. ¿Não se meta com meu álcool¿ dizia a manchete do jornal de oposição El Nuevo País no domingo.

O decreto surpresa, que o governo Chávez considera necessário para diminuir as mortes causadas por motoristas embriagados, entrou em vigor na sexta-feira. No entanto, de sexta-feira até a manhã de ontem, foram registrados 1.810 acidentes de trânsito - um aumento de 2% com relação à Semana Santa de 2006. O número de mortes teve um aumento de 38%.

Houve protestos no fim de semana na Ilha Margarita, onde foliões e donos de lojas de bebidas pintaram pára-brisas de carros com as palavras ¿Não à Lei Seca¿. A Consecomercio, uma associação nacional de donos de empresas, se queixou de que a medida poderia reduzir em 60% as vendas de bebidas alcoólicas durante o feriado.

Mas houve também indícios de que os caraquenhos abastados estavam encontrando meios de contornar as restrições. As reações ruidosas à proibição do álcool contrastam fortemente com a calma com que os recentes escândalos de corrupção na Venezuela foram recebidos: tentativas de juízes da Suprema Corte de evitar o pagamento de impostos sobre bonificações generosas, e alegações de que autoridades do governo desviavam milhões de dólares de acordos de infra-estrutura estatais com o Irã.

¿Estou neste país há 40 anos, e esta é a primeira vez que vejo isso¿, disse Antonio Gouveia, um imigrante português de 54 anos que possui um bar em Caracas. ¿A Semana Santa é a melhor semana do ano porque as pessoas não trabalham, saem e gastam.¿ Ele qualificou o decreto do álcool como ¿uma coisa de doido¿.

A medida proíbe completamente a venda de álcool em estradas e ruas movimentadas na Quinta-feira Santa, Sexta-Feira da Paixão e Domingo da Páscoa, enquanto no sábado, bares, restaurantes de lojas de bebidas podem vender álcool das 10 às 15 horas.

A Venezuela, que vive um boom econômico alimentado pelos altos preços do petróleo, é um dos mercados mais cobiçados do mundo para produtos como cerveja e uísque. Em 2005, o país liderou o consumo per capita de cerveja na América Latina, com 83,3 litros, chegando a superar por pouco os níveis de consumo nos EUA, segundo a empresa de pesquisa Euromonitor International.

Embora a maioria dos bares nos bairros ricos da região leste da capital tenha fechado esta semana, outros bares e lojas de bebidas do centro permaneceram abertos. Alguns donos de restaurante contornavam a proibição servindo vinho em xícaras de café. A medida fez surgir um mercado paralelo nas favelas após as 17 horas. ¿Bebi com alguns amigos no bairro ontem à noite¿, disse Benigno Suero, gerente de um café. Suero, que vive em Petare, uma extensa favela onde a cerveja é consumida geralmente na rua, disse com um sorriso, ¿Bebemos três engradados.¿