Título: Em livro, papa faz elogio a Karl Marx
Autor: Westin, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2007, Vida&, p. A16

Em seu primeiro livro como papa, Bento XVI faz um elogio a Karl Marx ao dizer que esse pensador do comunismo ¿forneceu uma imagem clara do homem vitimado por bandidos¿. Nesse trecho de Jesus de Nazaré, que foi divulgado ontem pelo site da BBC, o papa traz para os dias atuais a parábola do bom samaritano, sobre um homem que foi roubado, abandonado na estrada, ignorado por várias pessoas que passaram pelo caminho e, depois de um tempo, ajudado pelo samaritano.

¿O homem, no curso de sua história, foi alienado, torturado, explorado¿, diz o texto, segundo a BBC. ¿Karl Marx descreveu de maneira drástica a `alienação¿ do homem. Mesmo que não tenha atingido a verdadeira profundidade da alienação - porque raciocinava apenas em âmbito material -, forneceu uma imagem clara do homem vitimado por bandidos¿.

A concordância com Marx chama a atenção pelo fato de a Igreja Católica ter sempre sido uma crítica ferrenha do comunismo. O intelectual alemão é, ao lado de Friedrich Engels, autor do Manifesto Comunista, de 1848, uma obra clássica do pensamento anticapitalista.

A aversão da Igreja Católica ao comunismo ficou clara na encíclica Rerum Novarum, de 1891, na qual o então papa, Leão XIII, defendia a propriedade privada e atacava o comunismo - o comunismo defende, entre outras coisas, a propriedade comum dos meios de produção. Era a época que se seguia à Revolução Industrial na Europa, quando os operários, explorados, começavam a se organizar em sindicatos em busca de melhores condições de trabalho - terreno fértil para o comunismo.

Mais recentemente, o papa João Paulo II foi um dos maiores críticos do comunismo na União Soviética e nos países do leste europeu. No ano passado, o próprio papa Bento XVI, na encíclica Deus Caritas Est, afirmou que o marxismo ¿é uma filosofia desumana¿ por, segundo ele, ser contra a caridade. Na encíclica, o papa diz que o marxismo rejeita a caridade por ela impedir que as pessoas façam a revolução e, assim, manter as injustiças.

ÁFRICA

O livro, que terá 400 páginas, é a primeira parte de uma publicação maior intitulado Jesus de Nazaré, do Batismo no Jordão à Transfiguração, que ainda não tem data para ser lançado.

Bento XVI começou a escrever o livro durante suas férias em 2003, quando ainda era cardeal. Já como papa, ele conseguiu terminar a primeira parte da obra nos poucos momentos livres.

De acordo com ele, os países ricos, corrompidos pelo poder e pela ganância, saquearam a África e outras regiões pobres do mundo sem piedade. E exportaram para elas o ¿cinismo de um mundo sem Deus¿.

¿A atual relevância da parábola é óbvia¿, escreveu o papa, referindo-se à história do bom samaritano. ¿Se for aplicada às dimensões da sociedade globalizada de hoje, vemos como as populações da África foram saqueadas. Isso nos preocupa intimamente.¿

Bento XVI também condenou o tráfico de drogas e o turismo sexual, dizendo que são sinais de um mundo repleto de ¿pessoas que estão vazias¿ e que mesmo assim vivem no meio de muitos bens materiais.

O livro será lançado - na Alemanha, na Itália e na Polônia - no dia 16, justamente a data em que o papa Bento XVI comemora 80 anos de idade. E a três dias da data em que completa dois anos como líder maior dos católicos.

O papa chegará ao Brasil no dia 9 de maio. Visitará São Paulo, Aparecida e Guaratinguetá. Seus principais compromissos serão duas missas abertas, uma em São Paulo e outra em Aparecida, e um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele retorna ao Vaticano no dia 13.