Título: 'Questão fiscal ainda é o maior problema'
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2007, Economia, p. B3

Principal fonte de atrito entre indústria e governo, a escalada da valorização do real ante o dólar passa pelos juros elevados. Ambos, no entanto, são conseqüência de um problema mais de fundo e mais grave - a questão fiscal. ¿A solução para o problema de política cambial e monetária não passa por aceleração da queda de juros nem forçar o câmbio para cima mais rapidamente, o que levaria muito provavelmente a mais inflação¿, diz o economista Sergio Vale, da consultoria MB Associados.

Para ele, enquanto a questão fiscal não for solucionado de vez, não se resolvem os gargalos estruturais que fazem com que a economia brasileira cresça abaixo do potencial. E, de concreto, não há nenhum movimento importante e relevante na direção das reformas necessárias - tributária, de gastos públicos, previdenciária e trabalhista.

¿Estamos apenas acumulando problemas para os próximos anos, isso sem falar na questão da energia, que deve vir a ser um problema a partir de 2009, caso a economia cresça um pouco mais rapidamente¿, diz Vale. Não é o caso, diz, de se falar em apagão, mas certamente deverá ocorrer alguma aumento de preço relevante.

Apesar disso, a questão sobre quem perde com o câmbio valorizado e os juros altos tende a se atenuar nos próximos meses - mas não porque os perdedores vão deixar de perder. ¿O cenário tem se tornado tão positivo em alguns aspectos que pode mascarar um pouco o efeito negativo sobre a indústria¿, diz.

Após a atualização do Produto Interno Bruto (PIB), não houve mudanças concretas, mas a mera percepção de um PIB crescendo mais rápido significou melhora na solvência do setor público (dívida líquida menor, por exemplo), além de mostrar que há setores que estão indo muito bem, como os serviços. ¿Assim, a tendência é essa expectativa positiva no atacado tirar um pouco de vista quem está sofrendo no varejo¿, diz Vale.

Para o governo, o câmbio, hoje próximo de R$ 2, é considerado um ¿problema bom¿,especialmente porque tem funcionado como âncora da inflação, que deverá fechar 2007 abaixo da meta de 4,5%, pelo segundo ano consecutivo. Em 2006, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo IBGE, ficou em 3,14%. Para este ano, a previsão é de algo em torno de 3,7%.

O principal beneficiado pela inflação baixa é o consumidor. A queda do custo de vida é influenciada pelos efeitos da concorrência crescente das importações, que chegam ao País com preços mais baixos em reais. Para continuar no mercado, os fabricantes domésticos se vêem obrigados a também reduzir seus preços. Mas, em alguns casos, nem isso é suficiente.

Os brasileiros também passaram a viajar mais para o exterior com o dólar baixo. Tanto que, segundo o Banco Central, os gastos com viagens internacionais atingiram o recorde de US$ 6 bilhões no período de 12 meses terminado em fevereiro. Outro dado do próprio BC mostra que as receitas geradas pelos estrangeiros em viagens ao Brasil também foram recordes, de US$ 4,52 bilhões no mesmo período.

Para a indústria, o dólar fraco é um desastre. Além de sofrer com a concorrência acirrada das importações, o produto brasileiro tem perdido competitividade no exterior. Para compensar parte do efeito câmbio, boa parte das empresas tem aumentado os preços em dólar.

Por esse motivo, as exportações brasileiras continuam crescendo em valores. ¿Isso dá a falsa impressão ao governo de que nosso comércio exterior está indo bem¿, diz Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em 2006, as exportações cresceram 15,2% em dólares, mas em volume, a alta foi de apenas 3,3%.

¿Nós já saímos com uma desvantagem competitiva de 30% a 35% em relação aos nossos principais concorrentes asiáticos, cujo câmbio é depreciado¿, queixa-se Elcio Jacometi, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados.

Só nas cadeias de vestuário e na indústria calçadista já foram demitidas 350 pessoas, segundo o ex-secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida.