Título: Cabral quer sua marca já em 2007
Autor: Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2007, Nacional, p. A7
Às vésperas de completar 100 dias no poder, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), não disfarça que se sente muito confortável na principal cadeira do Palácio Guanabara. Depois de um mandato discreto como senador, exibe uma desenvoltura que resultou em quase 50% da aprovação dos fluminenses em pesquisas recentes, apesar das dificuldades na segurança pública. Mesmo assim, antevendo o fim da lua-de-mel, o governador prepara-se para ir além. Decidiu apostar no tripé favela, saneamento e transportes para fixar sua marca de governo ainda em 2007.
A definição é do chefe do Gabinete Civil, Régis Fichtner, considerado o braço direito do governador. Ele conta que os esforços da administração até o fim deste ano estarão voltados para o arremate dos projetos de urbanização de favelas na capital, como a Rocinha e o Complexo do Alemão, e do arco rodoviário da região metropolitana, contemplados no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com cerca de R$ 2 bilhões.
¿Vamos deixar uma marca forte ainda este ano. É um grande desafio dar conta dos projetos para garantir os recursos federais. Não precisamos nos preparar para o período de cobranças que virá, porque acho que já estamos respondendo bem a elas¿, disse Fichtner ao Estado.
O governador também conta com vultosos investimentos que o Rio está recebendo. Eles vão do complexo petrolífero da Petrobrás em Itaboraí à instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), em Itaguaí, superando R$ 10 bilhões. Cabral sabe que seu governo poderá se beneficiar do impulso de desenvolvimento que o casal Garotinho não teve.
Por isso, dá prioridade a obras estruturantes, como o metrô e o arco rodoviário. Para o vice-governador e secretário estadual de Obras, Luiz Fernando Pezão, o governador acertou ao estabelecer uma relação sólida com o presidente Lula, sem a qual os investimentos não viriam. ¿Essa é a grande conquista do Cabral¿, acentua.
Enquanto os projetos são preparados, o governo segura as rédeas para tentar fazer caixa e superar a crise financeira que herdou. Para isso, Cabral isolou da disputa política áreas importantes do governo - exemplo disso é o ex-secretário do Tesouro Nacional Joaquim Levy, que já conseguiu aumentar a arrecadação à frente da Fazenda.
Fidelidade
¿Se por um lado ele recebeu uma herança maldita, por outro não precisa fazer nada de extraordinário para ganhar aprovação. A falta de referência nos antecessores é muito grande¿, observa a historiadora Marly Motta, pesquisadora do Núcleo de Estudos do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para ela, os benefícios que o Rio deve receber do governo federal são conquistas do governador.
¿Não é sorte¿, diz Marly. ¿Ele foi para a trave e deixou o presidente Lula fazer o gol. Rosinha preferia dar as costas para o presidente¿, ilustrou Marly, lembrando a brincadeira do governador com Lula no Maracanã. ¿Cabral é diferente, mas vai ter que fazer a bancada do PMDB do Rio votar com Lula.¿
Depois de assumir a paternidade da indicação do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, Cabral tem se esforçado para retomar o diálogo com os parlamentares do PMDB fluminense, reduzindo a influência do ex-governador Anthony Garotinho, presidente regional da legenda, sobre a bancada federal. Além da caneta nas mãos, ele usa a habilidade para a conciliação. ¿Cabral só cisca para dentro¿, define Pezão.
É com essa fama de articulador que o governador pretende se destacar nos jogos Pan-Americanos de julho. Quer ser visto como responsável pela união das esferas federal, estadual e municipal para a realização do evento. Os jogos também serão um teste para o desafio da segurança, que Cabral dividiu com o governo federal, logo na posse.
A convocação da Força Nacional não gerou resultados de impacto e os índices de criminalidade subiram em janeiro. Mas nem a comoção provocada pelo assassinato do menino João Hélio Fernandes, em fevereiro, parece ter cassado a espécie de voto de confiança dado ao governador. Cabral compareceu a protestos contra a violência e até assumiu o discurso dos manifestantes.
Essa estratégia de visibilidade foi a principal marca dos 100 primeiros dias de Cabral. Disposto, ele foi visto em missa de vítimas da violência, enterro de policial, estréias teatrais, denunciando péssimas condições de atendimento em hospitais, recolhendo lixo em rio, torcendo em partida de futebol. Também aventurou-se em viagens pelo Brasil e exterior, num esforço para se apresentar como político moderno, cosmopolita.
¿Ele conquistou da capital à Baixada com esse estilo, bem diferente do casal Garotinho, que se escondia no Palácio¿, comenta o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS). ¿No entanto, essa estratégia de visibilidade em algum momento vai se esgotar. Ele terá de substituí-la por ações concretas, sob pena de a população achar que é só marketing.¿
Frase:
Marly Motta Historiadora da FGV
¿Se por um lado ele recebeu uma herança maldita, por outro não precisa fazer nada de extraordinário para ganhar aprovação. A falta de referência nos antecessores é muito grande¿.