Título: Partidos deixam estatuto de lado e decidem caso a caso sobre infiéis
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2007, Nacional, p. A8

Ao atribuir aos partidos a missão de definir em seus estatutos a fidelidade partidária e a forma de punir seus infiéis, a Constituição não baixou normas gerais a respeito - e o resultado é um tratamento indiscriminado, heterogêneo e pouco prático do problema. Há estatutos em que o tema merece longos capítulos e outros que abordam os infiéis e as eventuais punições em parágrafos curtos. Há ¿ritos sumários¿ e procedimentos intermináveis, que tornam quase impossível expulsar alguém da legenda. ¿Na prática, tudo depende de quem é o sujeito a ser punido¿, resume o cientista político Marco Antonio Teixeira Carvalho, da Fundação Getúlio Vargas.

Carvalho cita um caso público e antigo, o do PMDB. ¿Sabe-se que há dois PMDBs, um contra e outro a favor do governo, que em plenário sempre votam em lados opostos. Se o partido fosse aplicar seu longo código de ética, uma das metades seria inevitavelmente expulsa. Mas nada disso acontece.¿ Carvalho menciona um caso antigo - que hoje provavelmente não se repetiria -, o do PT em 1985. O partido decidiu não participar do colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves, mas três deputados se rebelaram, votaram (em Tancredo) e foram expulsos. ¿Esses exemplos nos ensinam que podem ser criadas regras à vontade, mas é tudo inócuo¿, prossegue. ¿O partido se reserva o direito de legislar sobre cada caso particular, de acordo com suas conveniências.¿

Essa realidade sobrevive desde os anos 70, quando Arena e MDB eram os dois únicos partidos permitidos pelo regime militar. As 27 siglas hoje registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam o pouco apego que a maioria dos políticos tinha ao partido em que estavam antes. Esse crescimento não mostra novos quadros enriquecendo o debate político com novas causas, mas antigas lideranças que preferem um partido menor, onde podem mandar e não precisarão se submeter a regras criadas por uma direção. ¿É mais fácil abrir um partido do que abrir uma empresa¿, conclui o professor sobre essa evolução.

Num primeiro momento, quando a ditadura previu sua derrota eleitoral nas eleições de governadores em 1982, Arena e MDB foram extintas e apareceram cinco outras legendas (PDS, PMDB, PTB, PDT e, pouco depois, o PT). A partir de 1985, com o início da democratização, mais de 20 novas siglas foram montadas, quase todas politicamente insignificantes.

ESTATUTOS

Com as exceções de praxe, os estatutos dos 27 partidos são um retrato dessa evolução. Um rápido exame no que eles dizem sobre mandatos e fidelidade partidária revela grandes diferenças no trato do assunto. Mostra, ainda, que não é por falta de normas que os infiéis não são expulsos - a maioria aprontou, para mostrar às visitas, um capítulo sobre ¿fidelidade e disciplina partidária¿, com vários graus de punição que culminam na expulsão.

O PMDB e o PT são os que dedicam mais espaço ao assunto e, por isso mesmo, abrem mais fendas por onde eventuais acusados podem escapar. Os peemedebistas criaram extenso Código de Ética com 50 artigos. O PT estende o debate por 27 artigos que ocupam 18 páginas. O DEM, ex-PFL, vai ao cerne da questão em dois artigos, em uma única página. O campeão da objetividade, aparentemente, é o Partido Republicano Progressista (PRP), que no art. 80 de seu estatuto diz que ¿os eleitos pela sigla PRP que se transferirem para outra sigla perderão seus mandatos, sendo convocados seus respectivos suplentes, conforme o art. 80 deste estatuto¿. E no art. 89 determina: ¿Perderá seu mandato (...) quem, por atitude ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção (...) e que após processo disciplinar vier a ser expulso (...).¿

Dois partidos pequenos, porém barulhentos, o PV e o PSTU, simplesmente não abordam o assunto. Na verdade, o PSTU apresenta, em vez de estatuto, uma longa cartilha de ¿princípios¿ que mais parece propaganda do que instrumento jurídico.

O tratamento dado pelas legendas à questão do mandato é outra fonte de confusões. O PDT, por exemplo, determina com todas as letras, no art. 68 de seu estatuto, que ¿os mandatos legislativos (...) pertencem ao PDT, em decorrência dos princípios constitucionais e legais vigentes¿. Já o DEM não esclarece a questão: ¿Art. 102 - O detentor do mandato que, eleito pela legenda do PFL, venha a praticar ato de infidelidade partidária ou se desligue do partido perderá automaticamente as funções e os cargos (...).¿

Mas ninguém foi tão criativo na questão quanto o PHS, que resolveu o problema com um acerto interno. No seu art. 7, inciso IV, o partido estabelece que ¿os mandatos eletivos são conquistados em parceria igualitária pelo mandatário e pelo PHS, devendo o seu desempenho respeitar a ótica de ambos.¿