Título: O ataque dos machistas radicais
Autor: Toynbee, Polly
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2007, Internacional, p. A17

O tratamento dado pela mídia a Faye Turney, a marinheira britânica que ficou prisioneira no Irã, mostra como são fortes os preconceitos que continuam a assediar as mulheres modernas.

Agora que os marinheiros britânicos capturados no Irã estão de volta para casa, uma imagem simbólica permanecerá na memória coletiva - a da marinheira Faye Turney. Sem ter previsto isso, o fato é que ela estava predestinada a concentrar todos os preconceitos contraditórios em relação às mulheres: mães que trabalham, mulheres na guerra e religiões opressivas que são contra as mulheres. Esta semana, a história de Faye serviu, de maneira concisa, como engrenagem para mais uma tentativa de aterrorizar as mães que usam as creches para poder trabalhar.

Numa imagem em que aparece balançando seu bebê recém-nascido, ali estava Faye como uma Madonna, cruelmente colocada em perigo. Mas também era a imagem da mãe negligente, que foi para o mar, durante meses sem fim, para seguir sua carreira, deixando para trás seu bebê, hoje com 3 anos.

Então, repentinamente, ela aparece usando o recatado véu islâmico, duplamente prisioneira. A obrigação de usar o véu é sempre opressiva. Livre vontade é outra coisa. Mas, e então? Ei-la de novo, com o véu, mas desta vez fumando. E essa foi uma imagem problemática: boas mães de crianças pequenas não fumam, mas marinheiros brutos, sim. O patético de tudo é o fato de que, como uma mãe colocada em perigo, Faye acabou se tornando a escolha mais óbvia para ser obrigada a escrever as cartas de desculpas que lhe foram ditadas, conclamando a Grã-Bretanha a se retirar do Iraque.

¿Embora seja uma feminista engajada, sinto que existem determinadas tarefas muito desagradáveis que, por várias razões, não se tem o direito de esperar que sejam desempenhadas por mulheres. Uma delas é na linha de frente das Forças Armadas¿, escreveu uma presunçosa comentarista de direita. Posso estar errada, mas não me lembro de ter visto esta ¿feminista engajada¿ na linha de frente de nossas disputas.

O jornal London Daily Mail costuma usar jornalistas mulheres para atacarem outras mulheres. Uma delas questionou ¿o direito de Faye de prosseguir na carreira que ama¿, perguntando-lhe: ¿Terei eu sido a única a pensar no direito da sua filhinha de ter a mãe que ama em casa, vendo-a crescer?¿

Infelizmente, não era. Uma outra repórter, do mesmo jornal, escreveu: ¿Eu diria que chega um período - e a maternidade é um deles - em que a vida não significa apenas você mostrar do que é capaz, mas ser responsável por uma outra pessoa.¿ E continuou: ¿E tudo isso em nome do que chamamos `igualdade¿, mas que, na verdade, é uma crença equivocada de que homens e mulheres são iguais.¿ Uma outra jornalista, do Sunday Times, escreveu um artigo intitulado O lugar de uma mãe não é na zona de guerra, mas muita coisa mais foi publicada nesse sentido.

Faye é uma especialista em sobrevivência no mar. Ela pilota lanchas infláveis, superando na atividade vários dos outros marinheiros capturados que faziam parte da sua equipe. O que ela própria disse logo depois de ser capturada foi: ¿Você não pode simplesmente ficar sentada só porque é uma mulher. Sei que, ao fazer esse trabalho, posso dar à minha filha tudo o que ela quiser na vida e, auspiciosamente, ao me ver fazendo esse trabalho, ela vai crescer sabendo que uma mulher pode ter uma família e uma carreira ao mesmo tempo.¿ Sua filha, disse Faye, ¿é uma garota que vai crescer e se tornar uma mulher forte, independente, confiável.¿ Essa resposta brilhante foi a melhor reação a todos os disparates que vimos.

Faye tem um marido em casa que se ocupa da filha. É o que fazem alguns casais, mas é raro os que optam por viver desse modo. Entretanto, os ataques contra ela demonstram como ainda é difícil para mulheres e para os homens seguirem as suas próprias inclinações. Não se trata de dizer que homens e mulheres são iguais, mas que as diferenças entre muitas mulheres e muitos homens não são maiores (mas com freqüência muito menores) do que outras, de caráter, de capacidade, de estatura ou de gosto. Contudo, o sexo parece que ainda está acima de todo o resto. A libertação de ambos os sexos de seu destino azul e rosa ainda não começou realmente.

Porém, em meio a toda essa alta tensão, houve um momento revelador: o Daily Mail mostrou que professa a opinião do presidente Ahmadinejad. O fundamentalista iraniano opinou: ¿Como você justifica ver uma mãe longe de casa, dos seus filhos? Por que, no Ocidente, não respeitam os valores familiares? Por que essa difícil tarefa de inspecionar os mares é dada a uma mulher? Por que não há nenhum respeito pela maternidade, pelo amor de sua filha?¿ O fundamentalista Mail imprimiu essas palavras em negrito, num ¿box¿ especial. Deplorando os valores familiares perdidos no Ocidente, o jornal encontrou modos para alertar contra o perigo moral de as mães trabalharem todos os dias da semana.

Sem dúvida, Faye é um exemplo típico desses 10% de mulheres que participam das Forças Armadas e, provavelmente, achava que as antigas batalhas sobre discriminação sexual já tivessem sido vencidas. Mas ela vai ser lembrada, de modo chocante, de que trata-se do oposto, ao ler o que foi dito a seu respeito. Será um lembrete de que a revolução feminina, até agora, só foi vencida pela metade.