Título: Pilotos e controladores divergem sobre regras e batem boca no ar
Autor: Barbosa, Mariana
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2007, Metrópole, p. C6

Piloto contente e de bem com a vida é tudo o que o passageiro quer quando entra em um avião. E, para a maioria dos pilotos, voar sempre foi uma grande fonte de prazer. Foi assim ao longo de 28 anos de profissão de um comandante da ponte aérea Rio-São Paulo de uma grande companhia aérea nacional. Nos últimos seis meses, porém, seu trabalho se transformou em um verdadeiro stress. ¿Eu sempre ia trabalhar feliz. Hoje, três horas antes de sair de casa, já estou preocupado com o que vou fazer, como vai terminar o dia, a que horas vou voltar. Minha relação com o trabalho mudou completamente¿, diz o piloto, que prefere não se identificar.

Procedimentos ditos de segurança que passaram a ser adotados pelo controle de tráfego desde o acidente da Gol, em 29 de setembro, provocando atrasos e cancelamentos generalizados na aviação comercial brasileira, alteraram a relação de confiança entre pilotos e controladores de vôo. ¿Sempre tivemos uma boa relação, os controladores eram nossos anjos da guarda¿, afirma o comandante. ¿E ainda são, apesar da crise. Mas perdeu-se muito da confiança. Você não sabe se aquele procedimento está sendo determinado em nome da segurança ou apenas para prejudicar.¿

Esse tipo de situação muitas vezes acaba em bate-boca. E, como xingamentos geram relatórios de infração de tráfego aéreo, pilotos e controladores abusam de ironia, apelando para palavras mais agressivas só quando não há risco de serem identificados. Essas palavras - que vão de ¿é mentira¿ e ¿isso é sacanagem¿ a ¿filho da mãe¿ - geralmente vêm de outros pilotos, que estão sintonizados na mesma freqüência, mas não podem ser identificados. Aos controladores de vôo, passíveis de serem identificados, resta apenas tentar resgatar o controle da situação: ¿Vamos manter a fraseologia padrão¿, costumam dizer.

Pilotos reclamam que algumas das instruções passadas pelo controle de tráfego aéreo são injustificáveis e, muitas vezes, vão contra as normas de segurança. Por exemplo: o controle autoriza a decolagem, mas logo em seguida manda o comandante orbitar (voar em círculos) durante 30 minutos, em altura baixa, até que determinada aerovia seja liberada ou para que um único controlador não tenha que controlar um número superior a 14 aviões por vez.

Quanto mais pesado e mais baixo o vôo, maior o consumo de combustível. Isso gera prejuízos para as companhias - o combustível representa nada menos que 30% dos custos operacionais. Mas não é só. As normas de segurança determinam que o avião inicie uma decolagem com combustível suficiente para cumprir sua etapa de vôo, com um adicional de segurança caso seja necessário pousar em um aeroporto alternativo, e mais o suficiente para outros 30 minutos de vôo, também por razões de segurança. ¿Orbitar pesado (com o tanque cheio) e baixo, durante 30 minutos, interfere na segurança de vôo¿, afirma o comandante.

Segundo ele, instruções para orbitar em nível baixo e logo após a decolagem eram mais comuns no início da crise. ¿Fizemos chegar ao controle que o procedimento implicava risco de segurança e que não era uma forma válida de pressão¿, conta. ¿Agora eles não têm feito mais isso. Eles nos pedem para esperar em um nível mais alto ou então próximo ao destino. Isso prejudica um pouco menos, embora não acabe com o prejuízo.¿

Freqüentemente, quando a espera para o pouso é muito demorada, as companhias optam por desviar o vôo para outro aeroporto, em outra cidade, procedimento chamado de ¿alternar¿. ¿Os aviões estão alternando demais e há muitos pousando no limite da segurança em termos de quantidade de combustível¿, reclama o piloto. O resultado são passageiros descontentes, pois têm de seguir o resto da viagem de ônibus. Para os tripulantes, muitas vezes é mais um dia fora de casa, longe da família. ¿Minha escala de vôo virou uma abstração. Estamos vivendo um estado de emergência há seis meses.¿

NEM BUDISTA

De acordo com o comandante, esse tipo de procedimento ocorre com mais freqüência às sextas-feiras, em horários de pico, ou quando o controle entra em ¿operação-padrão¿.

O piloto também questiona a veracidade de algumas informações passadas por controladores para justificar o seqüenciamento de aviões. ¿Muitas vezes você está chegando perto de Congonhas e te pedem para esperar na altura de Santos, dizendo que o pátio está lotado. Aí a gente checa com o pessoal de terra da companhia, que diz que a informação é falsa.¿ O controlador então diz que a instrução veio da torre do aeroporto e que tem tantos aviões na espera. ¿Isso acontece todos os dias e chega a um ponto em que não tem budista que agüente.¿