Título: Arrecadando e gastando mal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Arrecadando e gastando mal

Que a grande maioria das mais de 5 mil prefeituras municipais não consegue se sustentar financeiramente e, por isso, só sobrevive à custa da União e do Estado é fato conhecido. Mesmo assim, é surpreendente a conclusão de um estudo da Fundação Getúlio Vargas, segundo o qual, de um conjunto de 3.359 municípios apenas 95 podem ser classificados como eficientes na cobrança dos impostos municipais.

É um dado alarmante. Menos de 3% dos municípios são considerados eficientes, como mostrou reportagem de Renée Pereira publicada segunda-feira no Estado. Muitos dos municípios brasileiros foram criados apenas para atender a interesses políticos pessoais ou de grupos. Não foram considerados fatores como a montagem de uma estrutura administrativa para cobrar impostos e aplicar os recursos arrecadados e condições econômicas para sustentar essa estrutura. Sem recursos próprios, municípios nessas condições se tornaram dependentes de transferências da União e dos Estados.

Provavelmente, nenhum morador de um desses municípios - e talvez nem mesmo seu prefeito - está preocupado com isso. E tem razão. Afinal, não recolhe tributos municipais - como Imposto sobre Serviços, Imposto Predial e Territorial Urbano e Imposto de Transmissão de Bens Imóveis - e, mesmo assim, a administração municipal funciona.

O problema, na verdade, é dos contribuintes de outros municípios e até de outros Estados, que pagam impostos regularmente. Parte daquilo que pagam é transferida para sustentar municípios que não cobram os impostos que deveriam cobrar. Este é um dos fatores que explicam - mas não justificam - a elevada carga tributária no País.

Quanto maior a fatia das transferências federais e estaduais nas receitas da prefeitura, menos estímulo terá o prefeito para cobrar os impostos que deveria cobrar da população local. Do ponto de vista político, esse comportamento deixa o prefeito bem visto por seus eleitores potenciais; do ponto de vista econômico, estimula a informalidade.

No que se refere à eficiência no uso dos recursos públicos, os resultados desse regime fiscal são os piores possíveis. Em tese, os recursos transferidos pela União e pelos Estados se destinam a determinados programas, que favorecem diretamente a população, como projetos sociais e de infra-estrutura, entre outros. Mas, sem fiscalização adequada, parte do dinheiro acaba sendo utilizada para cobrir custos da máquina administrativa. Ou seja, alimenta o inchaço do setor público. ¿Os municípios arrecadam mal e investem mal¿, diz com razão o tributarista Antônio Carlos Rodrigues do Amaral.

Recursos para arrecadar melhor existem. A informatização, que permite o cruzamento de informações a respeito do recolhimento dos diferentes impostos e dá maior velocidade e confiabilidade ao sistema de administração tributária, está entre os principais motivos dos ganhos de eficiência e do aumento da arrecadação nos municípios. Também a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estimulou as prefeituras a arrecadar mais.

Há alguns anos, o BNDES abriu uma linha de financiamento para a modernização dos sistemas municipais de arrecadação, o que deveria melhorar a receita das prefeituras. Como observou um dos autores do estudo da FGV, o professor Paulo Arvate (o outro autor é o professor Enlinson Mattos), há uma ¿infinidade de coisas¿ que as prefeituras poderiam fazer para melhorar a receita, ¿sem precisar esfolar o contribuinte¿. Mas nem assim o número de municípios que arrecadam impostos de maneira eficiente aumentou de maneira notável.

A natural resistência da população ao aumento dos impostos só pode ser quebrada se, em contrapartida, ela receber serviços públicos de melhor qualidade. Como observou o prefeito do município paulista de Cerquilho, Aldomir Sanson, o que mais produz efeitos positivos no relacionamento entre o munícipe-contribuinte e a prefeitura é a certeza de que haverá retorno adequado para os impostos recolhidos. Para isso, os prefeitos deverão demonstrar dupla competência: arrecadar bem e aplicar melhor o dinheiro. Se prefeitura com uma dessas qualidades já é coisa rara, como mostra o estudo da FGV, mais difícil será encontrar uma administração municipal que tenha ambas.