Título: O que Bush pode aprender com o episódio
Autor: Nasr, Vali e Takeyh, Ray
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2007, Internacional, p. A10

Com a captura e subseqüente anúncio de que libertaria 15 marinheiros e fuzileiros navais britânicos, a República Islâmica do Irã enviou uma mensagem incisiva a seus adversários: assim como o Irã oporá confronto a confronto, responderá com o que percebe como flexibilidade ao pragmatismo. Essa mensagem merece ser tratada com atenção no momento em que EUA e Irã parecem estar avançando inexoravelmente para o conflito.

O momento da captura dos britânicos não foi acidental. Ocorreu depois da aprovação de uma resolução na ONU sancionando o Irã por suas violações nucleares, o envio de porta-aviões americanos ao Golfo Pérsico e a imposição de sanções americanas a bancos iranianos. Embora o governo Bush venha se esforçando para proclamar o sucesso de sua política cada vez mais belicosa perante o Irã, a conduta pouco sutil de Teerã no Golfo Pérsico sugere o contrário. Se os britânicos tivessem seguido o exemplo americano, quando os marinheiros foram capturados, eles poderiam ter provocado uma escalada do conflito tratando o assunto de modo mais agressivo na ONU ou enviando outros navios militares para a região. Mas os britânicos moderaram sua retórica e insistiram em que a diplomacia era o único meio de resolver o conflito. Os iranianos receberam isso como um pragmatismo da parte de Londres e responderam no mesmo tom.

Os EUA, por sua vez, já vêm adotando sua política de coerção há dois meses e é difícil encontrar evidências de sucesso. A posição intransigente do Irã sobre a questão nuclear continua inalterada e Teerã reduziu sua cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica.

E se a reunião de vizinhos do Iraque de 10 de março em Bagdá pretendia trazer um Irã castigado à mesa, foi o oposto que aconteceu. Longe de se mostrar obsequioso, o Irã pediu ousadamente um cronograma para a retirada das tropas americanas do Iraque. Mas a reunião foi digna de nota por exibir a influência regional do Irã e sua importância para o futuro do Iraque.

Os EUA estão diante de uma escolha radical: fortalecer sua política de confronto ou adotar uma política de engajamento. Longe de conter o perigo iraniano, a escalada do confronto muito provavelmente traria novos perigos aos EUA. Com o equilíbrio de poder vigente na região, um curso contínuo de confronto com o Irã amarraria os EUA a um compromisso de permanecer indefinidamente no Golfo Pérsico e estender sua mobilização a outras áreas de conflito num ambiente de crescente radicalismo. Isso colocaria os EUA no centro dos conflitos na região, deixando-os ainda mais vulneráveis ao extremismo ideológico e ao terrorismo em casa e no exterior.

Além dessas preocupações, o confronto contínuo também complicará a política dos EUA no Iraque. Assim como os sunitas iraquianos têm vínculos políticos e culturais com Estados árabes sunitas e buscam seu apoio, os xiitas iraquianos confiam e dependem do Irã. Uma política iraquiana que alie os EUA a governos árabes sunitas para eliminar a influência iraniana no Iraque será construída com vieses contrários aos xiitas. Uma tal política não conquistará o apoio do governo de predomínio xiita de cujo sucesso depende a nova estratégia americana.

Desde que os EUA entraram no Iraque em 2003, Washington tem se queixado da interferência do Irã e de seu envolvimento com grupos e milícias radicais. Mesmo assim, o Irã, mais do que qualquer outro regime árabe sunita, também apoiou o governo predominantemente xiita e o processo político iraquiano que o levou ao poder. Se o Iraque excluísse o Irã e tentasse reduzir sua influência regional, Teerã não teria mais interesses estabelecidos no processo político iraquiano e poderia jogar um papel mais desestabilizador. Portanto, a política atual não reduzirá a ameaça iraniana ao Iraque, mas a aumentará. Um conflito americano com o Irã também solaparia a estabilidade regional, colocaria em risco os ganhos econômicos dos emirados do Golfo Pérsico e inflamaria a opinião pública muçulmana. Os choques persistentes com os EUA radicalizarão a teocracia iraniana e, mais importante, o público iraniano.

O Irã está interessado hoje na estabilidade regional. Ele abandonou o objetivo de exportar sua revolução aos vizinhos no Golfo no fim dos anos 80. Ele procura influenciar dentro da estrutura de poder regional existente e melhorou suas relações com seus vizinhos no Golfo durante os anos 90. O conflito mudará a direção que a política externa iraniana vem seguindo e esta será uma mudança para pior.

Uma política criteriosa de engajamento exigirá paciência e deve começar com uma mudança fundamental no estilo e conteúdo da diplomacia americana. A virada nas relações sino-americanas durante o governo Nixon seguiu um curso desses. Pequim respondeu favoravelmente ao engajamento somente depois de dois anos de gestos unilaterais americanos. Como parte de um esforço similar na direção do Irã, os EUA deveriam tentar criar um ambiente mais favorável para a diplomacia empreendendo ações que rompam gradualmente as muralhas da desconfiança.

Washington pode começar dando fim a suas manobras navais provocativas no Golfo Pérsico e convidando representantes iranianos a todas as conferências que tratam do Oriente Médio. Uma vez criado um ambiente mais adequado, os EUA deveriam propor o diálogo incondicional com o objetivo de normalizar relações. Sobre a questão nuclear, o Irã teria de acatar um regime de inspeção rigoroso para assegurar que seu material nuclear não seria desviado para fins militares. Depois de 28 anos de sanções e contenção, já é hora de aceitar que a pressão não abrandou o comportamento do Irã. A libertação dos britânicos mostra que o Irã ainda está disposto a abrandar sua ideologia com pragmatismo. Uma política de engajamento paciente mudará o contexto e poderá levar o Irã a ver as relações com os EUA como algo de seu interesse. Somente então Teerã traçará um novo curso em casa e no exterior.