Título: A independência da Justiça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2007, Notas e Informações, p. A3
As relações entre o Executivo e o Judiciário voltaram a ficar estremecidas por causa de divergências em matéria de orçamento. Com base na legislação sobre finanças públicas, o Ministério do Planejamento contingenciou R$ 744 milhões das verbas dos tribunais mantidos pela União. Mas, invocando a autonomia dos Poderes, os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar se recusaram a acatar essa decisão. O máximo que aceitam é um contingenciamento de R$ 217 milhões - menos de um terço do valor anunciado pelo Executivo.
A cúpula da Justiça afirma que a iniciativa do Ministério do Planejamento compromete a autonomia das instituições judiciais, na medida em que fere suas prerrogativas administrativas. O governo alega que foi obrigado a fazer o contingenciamento por causa da reestimativa das receitas da União. Segundo o ministro Paulo Bernardo, a medida foi tomada com o objetivo de cumprir as determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
As duas leis disciplinam ¿a responsabilidade na gestão fiscal¿. A LRF prevê que as receitas federais têm de ser reavaliadas após a aprovação do orçamento pelo Congresso e determina que, se a nova estimativa de arrecadação ficar abaixo da anterior, o Executivo é obrigado a contingenciar recursos para garantir o equilíbrio orçamentário e o cumprimento da meta de superávit primário. No decorrer do exercício fiscal, se a arrecadação aumentar, os valores contingenciados são liberados proporcionalmente. A LDO estipula que o contingenciamento tem de ser compartilhado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário.
A cúpula da Justiça alega que o contingenciamento inviabiliza projetos de informatização da Justiça Federal, a expansão dos juizados especiais e a modernização da Justiça do Trabalho. Embora esse risco exista, o fato é que o Judiciário sempre foi o mais perdulário dos Três Poderes. Basta ver que, após ter feito duas das obras mais caras de Brasília, as sedes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho, a instituição, na semana em que o contingenciamento foi anunciado, decidiu construir mais um ¿palácio¿. Trata-se da nova sede do TSE - um prédio em concreto aparente revestido de vidro que será erguido num terreno de 54 mil metros quadrados na região nobre de Brasília. O projeto está orçado em R$ 330 milhões e, apesar da corte ter apenas 7 juízes e atuar basicamente nos anos eleitorais, foi justificado em nome da necessidade de se contar com um plenário capaz de receber autoridades em ocasiões importantes.
Esse é só mais um exemplo da incapacidade do Judiciário de gastar com parcimônia recursos escassos. Se a informatização da Justiça Federal, a modernização dos juizados especiais e a expansão da Justiça do Trabalho são importantes, como afirma o ministro Gilmar Mendes, por que o Judiciário, em vez de desperdiçar dinheiro público em obras de discutível necessidade, não concentrou seus investimentos naquilo que é realmente prioritário?
Com apoio de entidades de juízes, os presidentes dos tribunais superiores também afirmam que em 2001, ao julgar ação de inconstitucionalidade proposta pelo PT contra a LRF, o Supremo, com base no princípio da independência dos Poderes, suspendeu por medida liminar o parágrafo 3º do artigo 9º, que autoriza o Executivo a promover cortes nos orçamentos do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, para adequá-los aos critérios fixados pela LDO. A magistratura federal quer que o STF julgue o caso no mérito e referende uma decisão que não condiz com o comportamento das finanças públicas.
Mais uma vez, o Judiciário se mostra desconectado com a realidade fiscal, esquecendo que, apesar da autonomia dos Poderes, o cofre é um só e a responsabilidade pelo que sai e entra, por determinação constitucional, é do Executivo. Portanto, se usar suas prerrogativas para desconsiderar parte da LRF, como pretendem alguns presidentes de tribunais superiores com apoio dos juízes federais, a cúpula da Justiça estará julgando em causa própria, o que desgastará ainda mais sua autoridade e seu prestígio perante a sociedade.